A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP), causada pela aterosclerose, está associada a uma elevada morbilidade e mortalidade, podendo levar a amputações de membros inferiores (30% após 1 mês) (Rabie et al., 2020; Silva et al., 2022). Em Portugal, entre 2001 e 2015, foram identificadas 76288 amputações nas 131 instituições hospitalares (Matos et al., 2018).
Os enfermeiros pretendem desenvolver o potencial máximo de independência funcional da pessoa, preservar as capacidades existentes, desenvolver a adaptação às novas condicionantes físicas, emocionais, relacionais e sociais e minimizar o impacto que estas alterações acarretam, promovendo assim o processo de adaptação da pessoa (Cai et al., 2023; Pande et al., 2019; Rabie et al., 2020).
O conceito de adaptação, segundo Roy (2014), permite compreender o processo dinâmico de mudanças que a pessoa atravessa, enquanto processo intencional e resultado pelo qual as pessoas pensantes e sensíveis, individualmente ou em grupo, recorrem à consciência e à escolha para potenciar a integração humana e ambiental. Muitos programas focam a retoma da mobilidade (Kar & Kutlu, 2023), a promoção da adaptação aos seus autocuidados e às atividades diárias e o ajuste às suas novas necessidades funcionais e psicológicas (Columbo et al., 2018).
Existem recomendações gerais publicadas para a reabilitação após amputação, dirigidas a equipas multidisciplinares, focadas na protetização dos indivíduos (Webster et al., 2019) ou em intervenções específicas (JBI, 2022). Também existem programas ou orientações de reabilitação dirigidos à pessoa submetida a amputação mas, habitualmente encontram-se voltados para a reabilitação após o período de internamento (Aledi et al., 2023; Gailey et al., 2020; Godlwana et al., 2020; Resnik et al., 2018); por vezes são inespecíficos quanto à origem da amputação (Neves, 2017); juntam etiologias como DAOP e diabetes mellitus (MacKay et al., 2022; Schober & Abrahamsen, 2022); não especificam a fase do processo de reabilitação em que a pessoa se encontra (Schober & Abrahamsen, 2022), nem a duração do programa (Aledi et al., 2023; Neves, 2017); não diferenciam intervenções relativas a pessoas com e sem prótese (Schober & Abrahamsen, 2022); não esclarecem quem implementou a reabilitação (enfermeiros de reabilitação ou fisioterapeutas) (Gailey et al., 2020; Tiago, 2022); ou, apenas dirigem as intervenções aos cuidadores (Rodrigues et al., 2023). De facto, a evidência encontra-se dispersa e seria importante mapear o que há em específico para as pessoas submetidas a amputação do membro inferior por DAOP.
Procurando compreender as experiências vividas pelas pessoas submetidas a amputação, há investigações reportam que as pessoas que vivenciaram a amputação expressam sentimentos de tristeza, sentimentos negativos em relação à cirurgia, reações comportamentais de expressão dos sentimentos, sensações fantasma, alterações relacionadas com o coto como a dificuldade na mobilização, deiscência da ferida, dor, infeção e hemorragia e sentimentos pessimistas sobre o futuro (Kar & Kutlu, 2023).
Face à variedade de contextos e de achados seria pertinente compreender o processo de adaptação das pessoas submetidas a amputação acerca da sua adaptação, capacitação e do regresso a casa, para dirigir os cuidados no pós-operatório às suas reais necessidades.
Os familiares mais próximos desempenham um importante apoio no regresso a casa (Santos, 2019). Numa revisão integrativa acerca dos cuidados de enfermagem à pessoa submetida a amputação, concluiu-se que a intervenção dos enfermeiros tem início ainda no pré-operatório e inclui a necessidade de suporte emocional à pessoa e à família (Alves et al., 2022). Considerando o papel de suporte que a família representa no regresso a casa, seria importante compreender o processo de adaptação destes cuidadores informais para identificar aspetos que devam ser considerados num programa integral.
No período pós-operatório, antes da alta, a implementação precoce de programas de reabilitação em pessoas submetidas a amputação traz benefícios para a função física, diminui as complicações, aumenta a possibilidade de a pessoa ter alta para o domicílio e de protetização, além de aumentar da taxa de sobrevivência (Demir & Aydemir, 2020; Neves, 2017). Contudo, desconhece-se que intervenções de enfermagem de reabilitação, no pós-operatório, devem ser priorizadas para otimizar a adaptação da pessoa com amputação.
Atualmente, assiste-se a um aumento significativo do número de pessoas submetidas a amputação do membro inferior por doença arterial obstrutiva periférica (DAOP). A reabilitação desempenha um papel crucial na redução de complicações e na melhoria da sobrevida desses indivíduos, através da promoção da independência funcional, prevenção de complicações, capacitação para o regresso ao domicílio e adaptação à sua nova condição de saúde (Rabie et al., 2020).
Os enfermeiros são fundamentais no apoio à pessoa amputada e seus cuidadores durante o processo de adaptação. Este projeto pretende desenvolver um programa de reabilitação que promova a adaptação da pessoa nesta condição.
O programa baseia-se no modelo das intervenções complexas do Medical Research Council e terá cinco fases. Nas três fases iniciais serão reunidos os contributos da evidência científica, das informações provenientes das experiências de adaptação das pessoas à sua nova condição de saúde e dos seus cuidadores informais. Na quarta fase, o programa será validado por peritos, e na quinta, será avaliada a efetividade através de um estudo piloto.
O programa pretende melhorar a qualidade dos cuidados às pessoas submetidas a amputação, iniciando a reabilitação durante o internamento pós-cirúrgico. Espera-se contribuir para uma melhor adaptação, preparação para o regresso ao domicílio, aumento da independência funcional, e redução do risco de complicações e reinternamento.
Para tornar mais operacional a concretização da questão de investigação (Qual a efetividade de um programa de reabilitação na promoção da adaptação da pessoa submetida a amputação do membro inferior devido a doença arterial obstrutiva periférica (DAOP)?), estabeleceram-se os seguintes objetivos, que serão norteadores das diferentes etapas do projeto de investigação:
1 - Mapear as intervenções promotoras da adaptação da pessoa submetida a amputação do membro inferior por DAOP.
2 - Compreender a perceção das pessoas submetidas a amputação do membro inferior por DAOP sobre o seu processo de adaptação.
3 - Compreender a perceção dos cuidadores informais sobre o processo de adaptação da pessoa submetida a amputação do membro inferior por DAOP.
4 - Validar a construção do programa de reabilitação pós-operatória e as respetivas intervenções, com vista à promoção da adaptação das pessoas submetidas a amputação do membro inferior por doença arterial obstrutiva periférica.
5 - Avaliar a aceitabilidade e eficácia do programa de reabilitação na adaptação das pessoas submetidas a amputação do membro inferior por DAOP.
Este projeto inovador desenvolve um programa de reabilitação de promoção da adaptação de pessoas submetidas a amputação do membro inferior devido a DAOP, otimizando a intervenção dos enfermeiros de forma mais focalizada e eficaz. Ao maximizar a eficiência dos recursos humanos, visa-se melhorar a qualidade dos cuidados de enfermagem.
No curto período de internamento, o início precoce da reabilitação permite o início de um processo de adaptação mais eficaz da pessoa e da preparação do regresso ao domicílio mais seguro. Contribui ainda para a independência funcional da pessoa, reduzir o risco de complicações e de reinternamentos. A promoção da continuidade dos cuidados após o internamento tem particular importância para minimizar o abandono da reabilitação, permite à pessoa compreender as diferentes etapas da recuperação, estabelecendo objetivos e metas reais e potencia o sucesso da sua protetização.
Além dos ganhos diretos em saúde, quando a pessoa regressa ao domicílio de forma mais adaptada, contribui para a promoção da sua qualidade de vida, evita a sobrecarga dos cuidadores informais e conduz a ganhos económicos para os serviços de saúde.
Não aplicávelAledi, L., Flumignan, C. D., Trevisani, V. F., & Miranda, F., Jr (2023). Interventions for motor rehabilitation in people with transtibial amputation due to peripheral arterial disease or diabetes. The Cochrane database of systematic reviews, 6(6), CD013711. https://doi.org/10.1002/14651858.CD013711.pub2
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01/10/2024
31/07/2027
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