Na Europa, estima-se que surjam, por ano, 14 novos casos de cancro em cada 100000 crianças com menos de 19 anos. Ao contrário do que acontece nos adultos, mais de três quartos destas crianças sobrevivem, o que levanta novos desafios à prevenção da dor crónica e à qualidade de vida deste grupo vulnerável. Durante a hospitalização por doença, a dor é o sintoma com maior prevalência, em resultado do tratamento ou da própria doença. Apesar das recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre o alívio da dor do cancro nas crianças e da existência, hoje, de um notável corpo de evidências científicas sobre o controlo da dor, este permanece difícil devido, entre outros, à multidimensionalidade da experiência de dor e à complexidade da avaliação da dor oncológica nas crianças.
O registo sistemático da intensidade da dor como 5º sinal vital é norma de boa prática nos serviços prestadores de cuidados de saúde, conforme a Circular Normativa Nº 09/DGCG de 14/06/2003 da Direcção Geral de Saúde. Todavia, há necessidade de validar escalas para sub-populações cuja situação clínica ou idade, como é o caso das crianças com cancro, tornam insuficiente ou impraticável a utilização das escalas recomendadas na referida circular. Também o Programa Nacional de Controlo da Dor prevê a criação e divulgação, junto dos profissionais de saúde, de orientações técnicas sobre a abordagem da dor na criança. No entanto, não existem em Portugal estudos sobre a experiência de dor em crianças com cancro a partir dos quais, conhecida a prevalência, as características e o impacte da dor, se possam desenhar orientações mais ajustadas à realidade portuguesa.
O objectivo geral deste estudo é, pois, caracterizar as experiências de dor de crianças com cancro durante a hospitalização, quanto à localização, intensidade e qualidade da dor, ao impacte sobre o sono e à relação com a qualidade de vida.
O estudo está estruturado em três fases:
I – Tradução e validação de duas escalas: Adolescent Pediatric Pain Tool (APPT) e Pediatric Quality of Life Inventory-Cancer Module (PedsQL-CM). A APPT é uma escala de auto-relato, de avaliação multidimensional da dor e o PedsQL-CM é um inventário de qualidade de vida relacionada com a saúde em crianças com cancro. As versões portuguesas serão submetidas a um painel de peritos de língua portuguesa e inglesa para consenso quanto à equivalência com as versões originais. Os descritores de dor da APPT serão igualmente sujeitos a validação semântica por um grupo de crianças saudáveis e de crianças com cancro.
II – Estudo das propriedades psicométricas da versão portuguesa da APPT e da PedsQL-CM. A fiabilidade e validade das escalas serão determinadas a partir do seu preenchimento por uma amostra de crianças hospitalizadas com doença oncológica.
III – Caracterização das experiências de dor de crianças com cancro. Será pedido a uma amostra de crianças hospitalizadas com cancro dos 8 aos 17 anos que preencham o PedsQL-CM e durante 5 dias consecutivos façam o auto-relato da dor utilizando a APPT. Durante os 5 dias, a criança será portadora de um actígrafo de pulso para avaliar o padrão de sono.
A amostra de crianças saudáveis será obtida no Instituto Educativo de Lordemão e as amostras de crianças com cancro serão obtidas nos departamentos de pediatria de três hospitais centrais portugueses de referência no tratamento do cancro: o Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar de Coimbra, EPE, o Instituto Português de Oncologia do Porto, EPE e o Instituto Português de Oncologia de Lisboa, EPE, tendo o projecto obtido o acolhimento dos Directores de Serviço destes departamentos.
A equipa tem uma vasta experiência na validação de métodos de avaliação da dor e no estudo da dor em pediatria, participando em projectos internacionais e nacionais (FCT). Embora se circunscreva a crianças e instituições portuguesas, esta investigação insere-se num estudo multicêntrico destinado a conhecer as experiências de dor de crianças com cancro em diferentes países, coordenado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles-UCLA (Estados Unidos) e realizado em colaboração com as Universidades de Toronto (Canadá) e de São Paulo (Brasil). De realçar que os investigadores conceituados que coordenam estas equipas são consultores no projecto, assegurando, por essa via, uma maior riqueza na partilha de experiências.
Este é o primeiro estudo em Portugal a caracterizar as experiências de dor de crianças com cancro e será um importante ponto de partida para a análise das práticas de controlo da dor. Os resultados esperados com o presente projecto, para além da produção científica, permitirão investigar a eficácia de intervenções para o controlo da dor na população pediátrica portuguesa, bem como desenhar e avaliar programas de translação do conhecimento com impacte nas práticas de saúde, baseados nas evidências produzidas a nível nacional e no conhecimento da nossa realidade clínica e social, numa perspectiva comparada a nível internacional.
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1.REVISÃO DA LITERATURA E ENQUADRAMENTO
A equipa de investigação está a realizar uma pesquisa bibliográfica abrangente em bases de dados nacionais e internacionais. Estão a ser exploradas fundamentalmente três áreas: i) prevalência da dor oncológica e o seu impacto na qualidade de vida das crianças e adolescentes; ii) sintomas na população pediátrica com cancro: identificação, prevalência e impacto na qualidade de vida das crianças e adolescentes e iii ) controlo da dor oncológica na população pediátrica. Outras áreas estão também a ser exploradas, como a epidemiologia e os padrões de apresentação da doença oncológica (os diagnósticos mais comuns, género mais afectado e faixa etária).
A equipa de investigação está a conduzir uma revisão sistemática sobre estudos que utilizam o Adolescent Pediatric Pain Tool (APPT) para avaliação da dor. É nossa intenção realizá-la usando o software System for the Unified Management, Assessment and Review of Information criado pelo Joanna Briggs Institute. O objectivo deste estudo é rever sistematicamente a literatura para determinar a melhor evidência relacionada com a aplicabilidade do APPT na clínica e em investigação. Iremos rever a sua aplicação em relação às patologias, populações e resultados que podem ser úteis para a prática clínica e investigação. Esta evidência vai ser usada para fazer recomendações sobre o uso do APPT na avaliação da dor. A pesquisa bibliográfica em bases de dados internacionais e nacionais reteve 26 estudos que estão a ser criticamente analisados. Foi feita uma leitura primária dos estudos e alguns resultados preliminares estão a ser extraídos.
2.PREPARAÇÃO DO CAMPO
A fim de criar as condições necessárias para a colheita de dados, o projecto foi submetido às Comissões de Ética da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) e dos hospitais seleccionados (Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE, Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, EPE e Centro Hospitalar de Coimbra, EPE). Foram pedidas permissões para colher dados em três escolas da região de Coimbra (Instituto Educativo de Lordemão, Colégio Rainha Santa Isabel e Colégio de São Martinho). A colheita de dados foi autorizada em duas escolas (Colégio Rainha Santa Isabel e Colégio de São Martinho) e em dois hospitais (Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil, EPE e Centro Hospitalar de Coimbra, EPE).
3.VALIDAÇÃO CULTURAL DO ADOLESCENT PEDIATRIC PAIN TOOL
A validação cultural do APPT está a ser executada. A primeira fase da validação – tradução para a língua Portuguesa (Portugal) – está terminada. A versão Inglesa original foi traduzida independentemente por três revisores Portugueses, que falam Inglês fluentemente e conhecem o vocabulário das crianças e adolescentes (um psicólogo do desenvolvimento, um médico e um professor de Inglês). Foi obtida uma versão consensual entre os três revisores (versão 1). A versão 1 foi traduzida para o Inglês por dois tradutores independentes, cuja língua-mãe é o Inglês (versão 2). A versão 2 foi submetida a uma investigadora com experiência na utilização do APPT para validação da manutenção do significado original das palavras e expressões.
Depois da tradução dos descritores de dor, instruções, descritores da Escala Visual de Descritores Verbais, foi planeada a validação semântica com crianças saudáveis e crianças com cancro.
A validação semântica com as crianças saudáveis encontra-se na fase final e a validação com as crianças com cancro está a ser iniciada. Após a colheita dos dados em ambas as amostras, irá ser executada a análise estatística.
4.VALIDAÇÃO CULTURAL DO PEDIATRIC QUALITY OF LIFE INVENTORY-CANCER MODULE
A Validação do Pediatric Quality of Life Inventory – Cancer Module (PedsQL – CM) será conduzida em colaboração com o autor, Dr. James Varni, do Mapi Research Institute em Lyon (França). Irão ser traduzidas e validadas ambas as versões do instrumento (child self report e parent/proxy report). Estima-se que o processo de validação demorará cerca de 8 semanas: 2 semanas para cada uma das seguintes fases: tradução para a língua Portuguesa (Portugal), retroversão para Inglês, teste-piloto com as crianças e pais e provas finais. O Mapi Research Institute está a ser contactado para se proceder à validação do PedsQL-CM.
Data da última actualização: Outubro de 2011
01/01/2011
01/01/2014
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