Análise de fatores que influenciam as complicações associadas a acessos vasculares

A terapia intravenosa é amplamente utilizada em contexto hospitalar, principalmente por meio da inserção de cateteres venosos periféricos (CVP), para cateterização de um acesso vascular ou colheita de sangue [1], [2]. Estima-se que mais de 70% dos pacientes internados em instituições hospitalares necessitam de um CVP [3]. No entanto, evidências apontam para taxas de insucesso altas de até 69% após a sua inserção, resultando em complicações como flebite, oclusão, infiltração, deslocamento e infeção [3]. Adicionalmente, entre 5 a 25% dos CVP estão colonizados com bactérias após a sua extração [4]. Os resultados de um estudo de Oliveira et al.[5] revelaram que as práticas de enfermagem durante a inserção e a manutenção dos CVP nem sempre seguem as recomendações atuais de prevenção e controlo de infeções, tais como: higienização das mãos, uso de luvas, uso da técnica assética non-touch, flushing e desinfeção do obturador do cateter. Para além disso, os garrotes utilizados neste procedimento, podem constituir uma fonte de transmissão cruzada, quando estes não são adequadamente desinfetados entre pacientes. Entre as complicações infeciosas associadas à cateterização periférica, encontram-se as infeções locais (como celulite, infeção dos tecidos moles, osteomielite, flebite), e as infeções sistémicas (como a bacteremia e sépsis)[4], [6].

Apesar do risco de infeções virais resultante das punções venosas periféricas ter diminuído nos últimos anos, as infeções sistémicas de origem bacteriana continuam a ser um desafio recorrente nos cuidados de saúde [7]. Estima-se que 60% das bacteremias relacionadas à assistência à saúde estejam associadas a algum dispositivo intravascular, o que provoca um aumento na morbimortalidade e o tempo de internamentos [8]. Entre os fatores de risco que contribuem para as bacteremias da corrente sanguínea associadas ao uso de cateteres, estão: a localização do acesso venoso, o tipo de solução infundida, a experiência do profissional de saúde, bem como o tipo e manipulação do cateter [9]. Abordar estas questões será particularmente relevante para doentes imunocomprometidos e idosos, que apresentam um maior risco de desenvolver infeções nosocomiais [10], risco esse agravado pela utilização dos cateteres venosos [10] e garrotes reutilizáveis [11].

Um estudo de Pinto et al., analisou a taxa de contaminação bacteriana em 100 garrotes reutilizáveis, recolhidos aleatoriamente num hospital, e verificou que 78% das amostras eram positivas para bactérias com potencial patogénico, tais como Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), Enterococcus spp., Pseudomonas spp. e Enterobacteriaceae [12]. Portanto, os garrotes reutilizáveis, são considerados fómites, pois quando contaminados, são capazes de alojar e transmitir microrganismos patogénicos entre indivíduos, contradizendo os princípios básicos no controlo de infeções [13], [14].

As contaminações podem ser muitas vezes explicadas pela gestão irregular, e muitas vezes desadequada, do material clínico nos cuidados de saúde, e o não cumprimento das diretrizes existentes pode constituir um risco elevado de transmissão de microrganismos [15]. A DGS identificou vários fatores de risco nesse contexto, nomeadamente: o défice de conhecimento dos profissionais de saúde relativo às recomendações de descontaminação; a inexistência de planos de descontaminação; a não descontaminação do equipamento entre doentes; o reprocessamento de dispositivos destinados a uso único e existência de falhas que podem ocorrer durante os procedimentos de higienização, desinfeção, transporte ou armazenamento desses equipamentos [16].

Sendo inegável a dimensão do impacto de uma possível infeção com origem no acesso vascular periférico e perante a evidência do efeito das práticas dos profissionais da saúde na sua prevenção, considera-se pertinente aprofundar o conhecimento sobre a taxa de contaminação dos garrotes e dispositivos intravasculares, bem como os fatores que os influenciam. Portanto, este projeto visa estudar as práticas atuais dos profissionais de saúde durante as punções venosas periféricas e avaliar o impacto da utilização de diferentes tipos de garrotes em meio hospitalar, enquanto potenciais reservatórios de microrganismos. Com o objetivo de que os conhecimentos derivados por este estudo possam, futuramente, ser integrados na prática clínica, visando a minimização de complicações nos doentes.

As infeções nosocomiais representam atualmente um grave problema de saúde pública, contribuindo para o prolongamento dos internamentos, aumento da morbilidade e mortalidade, e provocando custos mais elevados, tanto para os serviços de saúde como para os seus utentes e familiares. Diversos estudos indicam que uma das potenciais causas destas infeções é a contaminação de dispositivos médicos, sobretudo quando estes não são devidamente desinfetados entre doentes durante a terapia intravenosa, constituindo desta forma, uma fonte de infeção cruzada de diferentes tipos de microrganismos.

Neste âmbito, o presente projeto de pós-doutoramento visa estudar e caracterizar as práticas dos profissionais da saúde, que possam contribuir para a ocorrência de contaminação da pessoa com acesso venoso; avaliar o impacto da utilização de diferentes tipos de garrotes em contexto hospitalar; e simultaneamente, determinar a incidência microbiológica em outros dispositivos médicos, bem com a sua eventual patogenicidade.

De forma a alcançar esses objetivos, propomos também contribuir para a criação e desenvolvimento de um Laboratório de Inovação em Ciências de Enfermagem, que será fundamental para dar apoio a novos projetos de investigação e atividades laboratoriais dos investigadores do UICISA e respetivos parceiros.

• Avaliação das técnicas de descontaminação existentes e verificação microbiológica, em termos de contaminação e segurança dos dispositivos médicos usados no contexto dos acessos vasculares, nomeadamente garrotes e cateteres venosos periféricos, após a sua utilização.

• Desenvolvimento de novas tecnologias/dispositivos médicos no âmbito dos acessos vasculares, incluindo para contextos de simulação;

• Identificação de práticas e tecnologias relacionadas com a inserção e manutenção dos acessos vasculares por enfermeiros;

• Promoção do treino e educação no âmbito dos acessos vasculares, em ambientes simulados e em contextos clínicos;

• Desenvolvimento de um Laboratório de Inovação em Ciências de Enfermagem para apoio de atividades laboratoriais.

Espera-se que os resultados derivados deste projeto de investigação possibilitem a evidência científica necessária que sustente a revisão de protocolos institucionais, a formação de profissionais de saúde e a implementação de medidas preventivas eficazes, com potencial de impacto direto na redução das infeções associadas aos cuidados de saúde.

Este projeto de investigação pós-doutoral visa caraterizar as práticas atuais dos profissionais de saúde em Portugal durante as punções venosas periféricas e como estas práticas podem influenciar o risco de infeções hospitalares. Acresce ainda referir que pretendemos estudar impacto da utilização de diferentes tipos de garrotes e como estes podem atuar como reservatórios de microrganismos. Dada a escassez de literatura nesta área, existe uma grande necessidade de mais estudos, de forma a introduzir novas diretrizes clínicas e protocolos, assim como criar novos dispositivos médicos que atendem a esses problemas. Portanto, as recomendações resultantes deste trabalho terão o potencial de influenciar positivamente a prática de enfermagem em Portugal, diminuindo o risco de infeções nosocomiais e promovendo cuidados mais seguros, eficazes e inovadores para os utentes.

Não aplicável.

  • Instituto Português de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil, E.P.E. (IPOCFG, E.P.E.)
  • [1] A. Oliveira et al., “Potencial de contaminação de garrotes na punção venosa periférica de utentes: protocolo de scoping review,” Revista de Enfermagem Referência, vol. 4, no. 17, pp. 143–148, Jun. 2018, doi: 10.12707/RIV17104.

    [2] P. da C. Teixeira et al., “Cateterismo venoso periférico: a qualidade dos cuidados de enfermagem na inserção do cateter venoso periférico,” Global Academic Nursing Journal, vol. 2, pp. 1–8, 2022, doi: 10.5935/2675-5602.20200180.

    [3] N. Marsh, J. Webster, E. Larsen, M. Cooke, G. Mihala, and C. M. Rickard, “Observational Study of Peripheral Intravenous Catheter Outcomes in Adult Hospitalized Patients: A Multivariable Analysis of Peripheral Intravenous Catheter Failure,” J Hosp Med, vol. 13, no. 2, pp. 83–89, 2018, doi: 10.12788/jhm.2867.

    [4] S. S. Dychter, D. A. Gold, D. Carson, and M. Haller, “Intravenous therapy: A review of complications and economic considerations of peripheral access,” Journal of Infusion Nursing, vol. 35, no. 2, pp. 84–91, 2012, doi: 10.1097/NAN.0b013e31824237ce.

    [5] A. de S. S. Oliveira et al., “Nurses’ peripheral intravenous catheter-related practices: A descriptive study,” Revista de Enfermagem Referencia, vol. 2019, no. 21, pp. 111–120, 2019, doi: 10.12707/RIV19006.

    [6] L. Hadaway, “Short peripheral intravenous catheters and infections,” Journal of Infusion Nursing, vol. 35, no. 4, pp. 230–240, 2012, doi: 10.1097/NAN.0b013e31825af099.

    [7] World Health Organization, WHO guidelines on drawing blood: best practices in phlebotomy. Safe Injection Global Network, World Health Organization, 2010.

    [8] S. A. Tamagno et al., “Implantação de time de terapia intravenosa a partir de pesquisa convergente-assistencial,” Revista SOBECC, vol. 28, pp. 1–9, 2023, doi: 10.5327/z1414-4425202328872.

    [9] A. M. S. dos Santos, S. M. de A. Campelo, W. N. dos Santos, D. de C. Alencar, and Í. A. P. Ribeiro, “Central catheter insertion protocol: accession of the multidisciplinary team / Protocolo de inserção de cateter central: adesão da equipe multiprofissional / Protocolo de inserción de cateter central..,” Revista de Enfermagem da UFPI, vol. 9, no. e8638, pp. 1–7, 2020, doi: 10.26694/2238-7234.9152-58.

    [10] D. W. Spelman, “Hospital-acquired infections,” Medical Journal of Australia, vol. 176, pp. 286–291, Mar. 2002, doi: 10.5694/j.1326-5377.2002.tb04412.x.

    [11] Z. Mehmood, SM. Mubeen, M. S. Afzal, and Z. Hussain, “Potential Risk of Cross-Infection by Tourniquets: A Need for Effective Control Practices in Pakistan,” Int J Prev Med, vol. 5, no. 9, pp. 1119–24, 2014.

    [12] A. N. Pinto, T. Phan, G. Sala, E. Y. Cheong, S. Siarakas, and T. Gottlieb, “Reusable venesection tourniquets: A potential source of hospital transmission of multiresistant organisms,” Medical Journal of Australia, vol. 195, no. 5, pp. 276–279, Sep. 2011, doi: 10.5694/mja11.10333.

    [13] J. Szymczyk, M. Månsson, and W. Mędrzycka-Dąbrowska, “Reusable tourniquets for blood sampling as a source of multi-resistant organisms– a systematic review,” Front Public Health, vol. 11, no. 1258692, pp. 1–9, 2023, doi: 10.3389/fpubh.2023.1258692.

    [14] M Golder, CLH Chan, S O’Shea, K Corbett, IL Chrystie, and G French, “Potential risk of cross-infection during peripheral-venous access by contamination of tourniquets,” The Lancet, vol. 335, no. January 1, p. 44, 2000.

    [15] World Health Organization, Decontamination and reprocessing of medical devices for health-care facilities. 2016.

    [16] Direção Geral da Saúde, “Norma no029/2012: Precauções Básicas no Controlo de Infeções,” 2012.

    Informação do projeto

    • Data de Início

      04/11/2024

    • Data de conclusão

      03/11/2027

    • Projeto Estruturante

      Acessos vasculares: práticas de enfermagem e tecnologias associadas

    • Linha Temática

      Care Systems, Organization, Models, and Technology

    • Target population
      • Pessoas com necessidade de acessos vasculares para terapia endovenosa; Profissionais de saúde
    • Palavras-chave
      • Infeções
      • Acesso vascular
      • Terapia intravenosa
      • Garrotes
      • Cateteres
    • Áreas prioritárias
      • Inovação em Tecnologia dos cuidados de enfermagem
      • Formação e desenvolvimento dos profissionais de saúde
      • Segurança do doente e efetividade dos cuidados
    • ODS da Agenda 2030 das Nações Unida
      • Garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades
      • Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
    • Equipa de Projeto
      • Mariana Isabel Neves Delgadinho IR
      • Anabela de Sousa Salgueiro Oliveira
      • Pedro Miguel Santos Dinis Parreira