A doença cardiovascular é a principal causa de morte em Portugal e uma das mais importantes causas de morbilidade e incapacidade. Graças aos avanços tecnológicos e à adoção contínua de ações estratégicas preventivas, as mortes associadas à doença cardiovascular vêm diminuindo progressivamente. No entanto, esta evolução do tratamento estabelece um aumento da incidência e prevalência de insuficiência cardíaca (IC), associada a um estado grave de incapacidade, altas taxas de readmissão hospitalar e elevada captação de recursos de saúde (Ferreira & Macedo, 2017).
Após um evento cardiovascular, a prevenção secundária por meio de programas multidisciplinares estruturados tem-se mostrado particularmente importante em termos de custo-benefício (Visseren et al., 2022). Contudo, o estudo EUROASPIRE V revela que a maioria dos utentes com patologia coronária na Europa tem estilos de vida pouco saudáveis em termos de tabagismo, dieta e sedentarismo, sendo que a maioria não alcançou as metas de pressão arterial, LDL e glicose definidas pela Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) (Kotseva et al., 2019).
Os utentes com doença cardiovascular circulam pelos diferentes níveis do sistema de saúde, com breves interações com vários profissionais de saúde (Ski et al., 2023), e o sistema de saúde português está a adaptar-se, com abordagens de cuidados integrados que se centram em condições de saúde específicas para melhorar a eficácia dos cuidados, os resultados clínicos e dos utentes (DGS, 2019).
Os Processos Assistenciais Integrados assentam numa metodologia organizacional que coloca o cidadão, com as suas necessidades e expectativas, no centro do sistema de saúde. A sua utilização, permite analisar todos os intervenientes envolvidos nos cuidados de saúde e organizar diferentes fluxos de trabalho, integrando conhecimentos atualizados, uniformizando intervenções, evidenciando resultados, de forma a responder às expectativas dos cidadãos e dos profissionais de saúde. A continuidade de cuidados e a coordenação entre os diferentes percursos de cuidados são reconhecidos como elementos essenciais para garantir que o utente recebe os melhores, atempados e eficazes cuidados de saúde baseados em evidências e consensos científicos (DGS, 2013).
O cuidado integrado mostrou-se eficaz na gestão da doença crónica, com diminuição das hospitalizações, assim como maior satisfação do utente, qualidade e acesso ao atendimento (Ski et al., 2023).
Os cuidados centrados na pessoa são uma componente essencial dos cuidados integrados, onde os profissionais de saúde veem os utentes como parceiros no planeamento do processo de cuidados, com responsabilidade partilhada. A tomada de decisão partilhada é definida como uma estratégia fundamental para melhorar a qualidade e os resultados dos cuidados cardiovasculares, conforme recomendado pelas mais recentes recomendações da ESC. No entanto, a tomada de decisão partilhada, enquanto processo colaborativo em que utentes e prestadores de cuidados de saúde tomam decisões em conjunto, com base na melhor evidência científica e na experiência do profissional de saúde, bem como nos valores e preferências do utente, ainda não é uma prática adquirida em Portugal (Ferreira et al., 2020).
Fomentar a tomada de decisão partilhada é fundamental para promover estratégias de autocuidado nos utentes com doença crónica. Nas recomendações da ESC, o autocuidado (como autogestão, autorregulação, automonitorização e adesão) é descrito como adesão às recomendações de tratamento, resposta aos sintomas e adoção de estilos de vida saudáveis (Visseren et al., 2022). Neste sentido, o autocuidado tem sido uma prioridade na investigação em enfermagem e uma recomendação chave nas recentes recomendações da ESC.
Considerando que a pessoa que teve um EAM vivencia uma adaptação a uma nova condição de saúde, o que requer a articulação de diferentes recursos de saúde, a teoria das transições aparenta ser o melhor referencial teórico. Esta, fornece uma perspetiva abrangente sobre a experiência de transição, considerando os contextos em que as pessoas estão a vivenciar a transição e é útil para explicar transições de saúde e doença, como alta hospitalar e o diagnóstico de doença crónica (Meleis & Trangenstein, 1994).
A doença cardiovascular é a principal causa de morte e uma das principais causas de incapacidade, tornando-se um desafio crescente para o sistema de saúde português.
Alinhado com as recomendações da Sociedade Europeia de Cardiologia e da Qualidade da DGS, CARDIAC INTEGRATED CARE visa desenvolver e validar um projeto de cuidados integrados entre a cardiologia e os cuidados de saúde primários (CSP), utilizando a tomada de decisão participativa para melhorar os processos de transição de cuidados e promover o autocuidado terapêutico em pessoas após enfarte agudo do miocárdio (EAM).
Pretende-se cocriar o “Processo Assistencial Integrado (PAI) EAM”, através da pesquisa na literatura, da perspetiva do cidadão e dos profissionais de saúde envolvidos, que será validado por especialistas na área da cardiologia, CSP e Qualidade em Saúde. As equipas de cardiologia e dos CSP serão treinadas, assegurados os equipamentos necessários e será implementado o “PAI EAM”.
Na perspetiva da melhoria contínua do “PAI” é fundamental envolver as pessoas com EAM e os profissionais de saúde na identificação de problemas/soluções para um melhor processo de cuidar. Este é o principal pressuposto subjacente à Investigação Participativa em Saúde, reconhecendo o valor do contributo de cada um para a cocriação do conhecimento através da tomada de decisão conjunta, num processo prático, colaborativo e capacitador.
O projeto CARDIAC INTEGRATED CARE tem como objetivo desenvolver e testar um projeto de cuidados integrados entre a cardiologia e os cuidados de saúde primários (CSP), utilizando a tomada de decisão participativa para melhorar os processos de transição de cuidados e promover o autocuidado terapêutico em pessoas após enfarte agudo do miocárdio (EAM). Tem como objetivos operacionais:
O1. Cocriar "Processo Assistencial Integrado EAM";
O2. Implementar programa formativo no âmbito do “Processo Assistencial Integrado EAM”;
O3. Avaliar a eficiência do " Processo Assistencial Integrado EAM" no autocuidado terapêutico, nos fatores de risco cardiovascular e na satisfação com os cuidados de saúde em pessoas após enfarte agudo do miocárdio (EAM).
De acordo com o PNS 21-30, as doenças cardiovasculares e o cancro, serão os principais problemas de saúde (DGS, 2022).
Com CARDIAC INTEGRATED CARE pretende-se demonstrar o impacto de uma intervenção baseada nas necessidades do cidadão e dos profissionais de saúde, que melhora a cobertura dos CSP, promovendo uma melhor adesão ao regime terapêutico, contribuindo assim para a redução dos fatores de risco cardiovasculares (FRCV), que a longo prazo contribuem para melhor saúde cardiovascular, garantindo uma vida saudável e com bem-estar. Ao capacitar os profissionais de saúde em novas aplicações tecnológicas para a coordenação com os CSP, pretende-se contribuir para um aumento significativo do acesso às TIC e, assim, contribuir para construir infraestruturas resilientes e fomentar a inovação. Este projeto também contribuirá para construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis, usando pesquisa participativa em saúde para melhorar os processos assistenciais e avaliar a satisfação com os serviços públicos de saúde (WHO, 2021).
Este projeto pretende melhorar o autocuidado terapêutico, a gestão dos FRCV e a satisfação com os cuidados de saúde, por meio de abordagens integradas entre hospital e CSP (WHO, 2018).
O projeto aguarda aprovação da Comissão de ética da ULS Coimbra. Será garantida a confidencialidade e autonomias aos participantes, podendo ter opção de participação/não participação no estudo, ou partes do estudo, através do consentimento informado.
O grupo de investigação terá reuniões periódicas onde serão abordados e treinados os procedimentos éticos e metodologias de investigação. Serão agilizadas reuniões periódicas com a gestão intermédia e de topo das duas instituições.
O desenvolvimento do processo assistencial ao utente com Enfarte Agudo do Miocárdio, tem por base a perspetiva de todos os envolvidos no processo, não só o utente e sua família, como os enfermeiros do serviço de cardiologia e dos CSP, os cardiologistas, os médicos de família e os farmacêuticos. Neste sentido, cada um destes parceiros é convidado a integrar o grupo de investigação na definição dos problemas e das estratégias de melhoria a desenvolver para a resolução dos problemas identificados. Serão utilizadas metodologias participativas para o envolvimento de todas as equipas multiprofissionais. O grupo de investigação, que inclui profissionais de saúde dos diferentes grupos profissionais e das diferentes instituições de saúde, assim como dois utentes que vivenciaram a experiência de ter tido um EAM, terá reuniões mensais de formação sobre procedimentos éticos e metodologias de investigação, assim como de alinhamento de estratégias, tarefas e cronograma. Os resultados de todas as tarefas definidas serão discutidos nas reuniões periódicas com a equipa de investigadores. Anualmente serão elaborados relatórios com as principais tarefas e resultados obtidos e partilhados com as diferentes equipas para uma maior transparência e envolvimento de todos.
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