O tratamento das doenças oncológicas apresentou grandes avanços nos últimos anos, verificando-se uma maior longevidade da pessoa com cancro (Ferreira et al., 2023). Não obstante, continua a provocar importantes efeitos secundários, tanto a nível físico, como sociopsicológico (Costa et al., 2016; Penaforte et al., 2023).
As doenças hemato-oncológicas não são exceção, sendo que a integridade da pele e da mucosa perianal comprometida é um destes efeitos secundários, que pode ser causado pela quimioterapia e pelos anticorpos monoclonais (Almeida et al., 2023; Hogle, 2010; Wang et al., 2023); Esta condição é definida como qualquer lesão que cause alteração da epiderme e/ou derme (Herdman et al., 2021), da região perianal, podendo manifestar-se por maceração, ulceração, fissura, fístula, abcesso, entre outras.
A literatura internacional evidencia que as fissuras anais podem ocorrer entre 9,5% a 25% das pessoas com doença hemato-oncológica submetidas a quimioterapia (Luo et al., 2022; Solmaz et al., 2016). Um estudo realizado em Portugal, entre 2010 e 2015, revelou que estas pessoas apresentaram fissuras anais em 36% das situações (Loureiro et al., 2018).
As fistulas e os abcessos são consideradas condições sépticas. Assim, a infeção perianal pode manifestar-se de várias formas, dependendo do seu grau, nomeadamente: inflamação localizada com rubor, edema, calor e dor - grau 1; inflamação localizada, com formação de abcesso - grau 2; e, ulceração da pele, necrose, hemorragia e formação de cavidade em forma de bolsa ou de fístula - grau 3 (Wang et al., 2023). A sua incidência pode variar entre 6,7% e 27%, na pessoa com doença hemato-oncológica, apresentando uma mortalidade de 11% a 57% (Chen et al., 2013; Luo et al., 2022; Wang et al., 2023). No entanto, um estudo realizado em Portugal, entre 2010 e 2015, apresentou um valor de 32,5% de condições sépticas perianais, tais como, fístula, abcesso e celulite (Loureiro et al., 2018).
A integridade da pele e da mucosa perianal comprometida pode provocar dor e desconforto, com impacto significativo na qualidade de vida da pessoa (Chen et al., 2013; Luo et al., 2022; Zhou et al., 2020). Pode ainda contribuir para prolongar os dias de internamento, aumentar os custos em saúde, interromper ou adiar os tratamentos e, consequentemente, condicionar o prognóstico (Luo et al., 2022; McQuade et al., 2016). Em situações mais graves, pode evoluir para septicémia ou mesmo conduzir à morte (Wang et al., 2023).
No mesmo sentido, pessoas com fístulas anais relatam: diminuição da qualidade de vida a nível físico e mental (Ferrer-Márquez et al., 2018; Mateescu et al., 2023); altos níveis de stress (Mateescu et al., 2023); impacto a nível profissional (Iqbal et al., 2022); impacto nas atividades de vida diária (Iqbal et al., 2022); e, impacto nas relações sociais e de intimidade (Diaz et al., 2020; Iqbal et al., 2022).
Vários estudos realizados nos últimos anos centraram-se, essencialmente, em abordagens biomédicas para a prevenção e gestão da infeção perianal, através de tratamento cirúrgico, não cirúrgico e antibioterapia. Contudo, da análise dos estudos que excluem a abordagem cirúrgica e a antibioterapia, verifica-se que as intervenções são maioritariamente banhos de assento e limpeza da pele com diferentes produtos, concentrações, temperaturas, posologias e frequência (Dahiya et al., 2022; Jiang et al., 2018; Luo et al., 2022; Zhou et al., 2020; Wang et al., 2023).
São também identificados outros métodos, tais como, fumigação, limpeza com água acidificada, lavagem local com antibiótico, aplicação de compressas quentes e irradiação com micro-ondas. Contudo, tais métodos apresentam resultados, por vezes, limitados e elevados custos económicos (Luo et al., 2022). Outros autores referem que, para evitar a formação de fissuras anais, as pessoas com antecedentes de hemorroidas ou obstipação deveriam usar emolientes de fezes, nitroglicerina tópica e aumentar a ingestão de fibras e água. Nas pessoas com diarreia, de forma a prevenir a infeção perianal, sugere-se o uso de toalhetes de bebé após micções ou lavar a região perianal com pano de algodão embebido em água morna e secar a pele com secador de cabelo (Wang et al., 2023).
No nosso entender, as intervenções para prevenir e gerir a integridade da pele e da mucosa perianal comprometida devem ser planeadas em parceria com a pessoa. É esta a lacuna encontrada na literatura que se pretende colmatar com a presente investigação.
O tratamento das doenças hemato-oncológicas, nomeadamente quimioterapia e anticorpos monoclonais, poderá ter como efeito secundário a integridade da pele e da mucosa perianal comprometida. Esta pode provocar dor e desconforto, impacto significativo nas atividades de vida diária, nas relações sociais e de intimidade e a nível profissional. Pode contribuir para interromper ou adiar os tratamentos e assim condicionar o prognóstico, prolongar os dias de internamento e aumentar os custos em saúde. O estudo pretende cocriar intervenções de enfermagem que sejam entendidas como significativas e de alta qualidade, centradas na pessoa como um todo. Assim, esta investigação está planeada em 4 fases: (1) experiências da pessoa com doença hemato-oncológica e integridade da pele e mucosa perianal comprometida, através de um estudo descritivo de natureza qualitativa; (2) síntese das evidências sobre as intervenções para a prevenção e gestão da integridade da pele e mucosa perianal comprometida nas pessoas em estudo, através de revisão de scoping; (3) análise da perceção dos enfermeiros sobre esta condição na pessoa em estudo, as formas de avaliação e as intervenções de enfermagem para a prevenção e gestão, através de grupos focais; e, (4) desenho e validação de um conjunto de intervenções de enfermagem para a prevenção e gestão desta condição, através da realização de painéis de Delphi incluindo enfermeiros e pessoas com estas doenças.
Objetivo geral: Desenvolver uma intervenção complexa de enfermagem, e analisar a viabilidade da sua implementação, para a prevenção e gestão da integridade da pele e mucosa perianal comprometida, na pessoa com doença hemato-oncológica submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais.
Objetivos operacionais:
• Descrever as experiências da pessoa com doença hemato-oncológica e integridade da pele e mucosa perianal comprometida, submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais;
• Sintetizar a evidência disponível sobre as intervenções para a prevenção e gestão da integridade da pele e mucosa perianal comprometida, na pessoa com doença hemato-oncológica submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais;
• Analisar a perceção dos enfermeiros, com experiência em hemato-oncologia, sobre a integridade da pele e mucosa perianal comprometida, as formas de avaliação e as intervenções de enfermagem para a prevenção e gestão, na pessoa com doença hemato- oncológica submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais;
• Desenhar um conjunto de intervenções de enfermagem para a prevenção e gestão da integridade da pele e mucosa perianal comprometida, na pessoa com doença hemato-oncológica submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais;
• Avaliar a viabilidade de implementação de um conjunto de intervenções de enfermagem para a prevenção e gestão da integridade da pele e mucosa perianal comprometida, na pessoa com doença hemato-oncológica submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais.
O desenvolvimento deste projeto de investigação, por envolver a pessoa com doença hemato-oncológica como parceira da investigação, irá beneficiar a qualidade, a relevância e os resultados da investigação; proporcionará a melhoria das práticas e conhecimentos dos enfermeiros no âmbito da prevenção e gestão da integridade da pele e da mucosa perianal comprometida, na pessoa com doença hemato-oncológica submetida a quimioterapia e/ou anticorpos monoclonais; e, permitirá desenhar um conjunto de intervenções de
enfermagem para a prevenção e gestão da integridade da pele e mucosa perianal comprometida, nestas pessoas. Assim, espera-se contribuir para o desenvolvimento do corpo de conhecimentos de Enfermagem enquanto disciplina, prática clínica, investigação e ensino.
Este projeto revela-se necessário, inovador, significativo para as pessoas na medida em que as envolve na investigação e trará benefícios para uma população vulnerável, para a sua família e/ou convivente significativo, para os profissionais e instituições de saúde e para a sociedade em geral.
Não aplicávelAlmeida, V., Pires, D., Silva, M., Teixeira, M., Teixeira, R. J., Louro, A., Dinis, M. A. P., Ferreira, M., & Teixeira, A. (2023). Dermatological Side Effects of Cancer Treatment: Psychosocial Implications—A Systematic Review of the Literature. Healthcare, 11(19), 2621. https://doi.org/10.3390/healthcare11192621
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05/12/2024
30/07/2027
Care Systems, Organization, Models, and Technology