A formação em enfermagem: uma história de evolução e resiliência
A mobilidade de profissionais de enfermagem numa Europa sem fronteiras veio exigir a adequação da sua formação, impondo uma rápida e diligente adaptação a novos contextos e a existência de plataformas comuns de entendimento (EU, 1999 cited in Cabete, 2014) em que se encontrem pontos de referência e elementos de entendimento comum (Tuning Educational Structures in Europe - Final Report, 2003). Ainda assim, a formação em enfermagem é muito dissonante na Europa, havendo ainda um longo trabalho a fazer de harmonização das práticas formativas (Nuin et al., 2006) de modo a encontrar-se pontos de referência e elementos estruturantes (Tuning Educational Structures in Europe - Final Report, 2003).
No contexto europeu, a existência de formação pós-graduada em enfermagem (mestrados e doutoramentos) teve origem nos países nórdicos e, apesar de estar já presente em 30 países, é ainda recente, tendo sido o doutoramento o processo formativo último a ser implementado (Masterson, 2006).
Nos anos mais recentes, a formação doutoral em enfermagem tem ganho cada vez mais atenção, com o consequente aumento do número de enfermeiros a frequentar este nível de graduação (Bai et al., 2018). Em simultâneo, regista-se nos últimos anos uma busca pela melhoria da prática clínica, do ensino e da atividade cientifica em enfermagem (Smeltzer, 2015; Bai X, 2018, cited in Dobrowolska et al., 2021).
Em resultado do envolvimento crescente dos enfermeiros doutorados em processos de investigação perspetiva-se um desenvolvimento efetivo dos estudos doutorais, bem como um incremento qualitativo dos cuidados de enfermagem, em resultado de uma melhoria dos processos educativos e das práticas (Cooper, Joanne; Mirchell, Kay; Richardson, 2019). Por tudo isto, os líderes e os académicos da área da enfermagem procuram atualmente fomentar o desenvolvimento dos estudos doutorais em enfermagem (Dobrowolska et al., 2021).
Não obstante as dificuldades já referidas, é incontestável que há cada vez um maior número de enfermeiros com formação doutoral, assim como é evidente que há, mundialmente, cada vez mais necessidade que assim seja.
Como forma de minimizar os fatores limitadores do sucesso destes doutorandos, o apoio e suporte familiar é apontado como elemento fundamental e complementarmente é realçada a necessidade de serem criadas políticas que permitam acomodar os estudantes e suas famílias (CGS, 2010, cited in Volkert et al., 2018), uma vez que as relações familiares são um dos fatores mais significativos e influentes no sucesso ou insucesso destes estudantes.
A Formação de Enfermagem em Portugal: do bacharelato ao doutoramento…
Nos últimas décadas tem-se assistido ao desenvolvimento da formação em enfermagem, quer enquanto profissão, quer enquanto disciplina de conhecimento tendo resultado na integração da formação em enfermagem no sistema de ensino superior e na atribuição do grau de licenciatura (Nunes, 2003).
Em Portugal, são atualmente vinte as instituições de ensino superior públicas, politécnicas ou equiparadas, que formam enfermeiros ao nível do 1º e 2º ciclos, às quais acresce a Escola Superior de Saúde da Universidade dos Açores, que forma enfermeiros apenas ao nível do 1º ciclo.
No início da década de 2000 foi criado pelo ICBAS o primeiro Programa Doutoral em “Ciências da Enfermagem”. Em 2004 a Universidade de Lisboa e a Universidade Católica lançariam doutoramentos em Enfermagem (Basto, 2012). Estes programas doutorais mantêm-se ativos até ao momento atual, sendo os doutoramentos das Universidades do Porto e Lisboa públicos e o da Universidade Católica Portuguesa de índole privada. No ano letivo 2022/23 iniciar-se-á um novo Programa Doutoral em Enfermagem pela Universidade de Coimbra, em parceria com a Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.
A criação dos novos Programas Doutorais em enfermagem veio confirmar que o sistema educativo encontra-se organizado para ir além do “mero” ensinar, mas também apoiar a produção do conhecimento técnico/administrativo necessário para expandir mercados, controlar a produção, o trabalho e as pessoas, envolver-se na produção de investigação básica e aplicada, exigida pela sociedade.
O ensino da enfermagem tem, assim, vindo a progredir positivamente em Portugal procurando, nas duas últimas duas décadas, afirmar-se como uma área a ter em conta quando se fala em ciências da saúde.
A enfermagem, como profissão, remonta ao final do século XIX e inícios do séc. XX. Desde então, a profissão de enfermeiro tem evoluído de forma rápida e positiva em parte impulsionada pela, cada vez maior, aposta na formação académica destes profissionais. A formação académica dos enfermeiros tem vindo a revelar-se cada vez mais exigente cientificamente, culminando atualmente numa gradual, mas consolidada, aposta em programas doutorais desenhados especificamente para estes. Este fenómeno confere uma desejável consistência na formação científica e académica
destes profissionais.
Em Portugal a formação em enfermagem remonta ao ano de 1881, com a abertura da primeira escola de enfermeiros do país, consolidando-se esta formação no século XX. Desde então, a evolução da formação dos enfermeiros tem sido em crescendo, acompanhando a tendência europeia e mundial. O primeiro Programa Doutoral em Enfermagem em Portugal foi lançado pelo ICBAS – Universidade do Porto, e teve início em 2000.
Este projeto de tese tem como fim último estudar o impacto das políticas públicas na evolução da investigação científica e no desenvolvimento dos Programas Doutorais em enfermagem nos últimos 20 anos, procurando identificar de que forma estão as Políticas Públicas a apoiar a produção e a translação do conhecimento nas Ciências da
Enfermagem. Propomo-nos alcançar este objetivo através de análises quantitativa e qualitativa de dados, usando métodos de recolha distintos, desde o inquérito por questionário, às entrevistas semiestruturadas e à análise de conteúdo, a realizar aos vários atores e stakeholders envolvidos. Para além do estudo sociodemográfico dos estudantes do terceiro ciclo de estudos, com o objetivo de caracterizar estes atores e aferir as suas expectativas, propomo-nos ainda caracterizar as políticas públicas de apoio ao investimento, avaliando o seu impacto, retorno efetivo enquanto elemento contributivo e patrocinador do desenvolvimento da investigação científica etransferência do conhecimento, seus resultados e benefícios. Espera-se, em última análise, que este trabalho possa contribuir para uma caracterização e estudo da evolução da investigação científica e da formação doutoral em enfermagem, em Portugal.
O presente projeto propõe-se fazer uma análise do impacto das políticas públicas aplicadas à investigação científica e aos programas doutorais em enfermagem em Portugal, tendo como referência temporal o início do 3º ciclo de formação em Portugal (últimos 25 anos - 1997) até à atualidade.
Procurar-se-á perceber, em última instância, de que forma as Políticas Públicas estão a apoiar a produção e a translação do conhecimento. Para tal, procuraremos caracterizar de que forma esse conhecimento é produzido, identificando os principais contributos da investigação científica em enfermagem para a evolução da ciência e a transferência do conhecimento científico, resultados e benefícios obtidos; por outro lado, interessará avaliar os resultados práticos dos programas doutorais, aferindo de que forma este ciclo formativo contribui para o desenvolvimento académico e científico da enfermagem.
A Questão de Partida
Tendo por modelo que a questão de partida deve refletir o problema de pesquisa, sendo norteadora de toda a investigação, ainda que possa ser reformulada à medida que se vão percorrendo as demais etapas da investigação e que o objetivo final de toda a investigação deverá ser responder, com o máximo rigor científico, à questão de partida, identificou-se a seguinte questão de partida, que orientará todo o trabalho de investigação que nos propomos realizar (Quivy & Campenhoudt, 1998):
Q: As políticas públicas nacionais têm promovido e sustentado eficazmente os programas doutorais e a investigação científica em enfermagem?
O futuro do sistema educativo caminha no sentido de promover a busca do conhecimento e a promoção de práticas inovadoras de ensino e aprendizagem. Este pressuposto está associado à transferência do conhecimento, que se pretende lato e regular, abrangendo uma diversidade de públicos.
Esta dimensão do saber e da investigação ganha expressividade quando falamos das ciências da enfermagem enquanto área da ciência cujo reconhecimento e representação social tem ainda um longo, mas auspicioso, caminho a percorrer não apenas como instrumento da legitimação da profissão de enfermeiro(a), mas também como meio de progresso científico da enfermagem.
Perceber de que modo os decisores políticos têm promovido e incentivado o desenvolvimento da enfermagem como área científica, com significância no contributo do desenvolvimento das ciências da saúde, perceber como têm, através da definição de políticas públicas impulsionadoras, procurado, ou não, incentivar o seu desenvolvimento é um dos objetivos deste trabalho, desbravando um terreno pouco explorado.
Apesar do ensino da enfermagem ter vindo a progredir positivamente em Portugal procurando afirmar-se como uma área a ter em conta quando se fala em ciências da saúde, é ainda necessário reforçar a sua validação pelos pares e representação social.
A divulgação dos resultados alcançados no estudo que nos propomos realizar impactará na representação social das ciências da enfermagem, enquanto produtora de ciência. Determinará, de forma inovadora, o papel que têm tido os decisores políticos nesta promoção, contribuindo para uma reflexão mais aprofundada sobre o caminho percorrido e o caminho ainda a percorrer para que as ciências da enfermagem se afirmem como área científica.
Apóstolo, J. L. A. (2017). Síntese da evidência no contexto da translação da ciência (E. S. de E. de C. (ESEnfC) (ed.)).
Bai, X. L., Luo, Z. C., Lou, T., Pang, J., & Tang, S. Y. (2018). Career intentions of PhD students in nursing: A cross-sectional survey. In Nurse Education Today (Vol. 64, pp. 196–203). https://doi.org/10.1016/j.nedt.2018.01.018
Basto, M. L. (2012). Qual o Objecto de Estudo das Teses de Doutoramento em Enfermagem das Universidades Portuguesas? Uma Análise dos Resumos What Is the Focus of Study of Doctoral Thesis in Nursing in Portuguese Universities? An Analysis of Abstracts. Pensar Enfermagem, 16, 2–25.
Cabete, D. (2014). Perspectivas de Formação Avançada em Enfermagem: um olhar para o panorama internacional. Pensar Enfermagem, 12(January 2008), 48–52. https://www.researchgate.net/publication/266327370%0APerspectivas
Cooper, Joanne; Mirchell, Kay; Richardson, A. (2019). View of Developing the Role of the Clinical Academic Nurse, Midwife and Allied Health Professional in Healthcare Organisations.pdf. International Journal of Practice-Based Learning in Health and Social Care, 7, 16–24. https://publications.coventry.ac.uk/index.php/pblh
Dobrowolska, B., Pilewska-kozak, A., Mianowana, V., & Monist, M. (2021). Doctoral programmes in the nursing discipline: a scoping review. BMC Nursing, 1–25. https://doi.org/10.1186/s12912-021-00753-6
Masterson, A. B. T.-N. E. T. (2006). S. Ketefian, H.P. McKenna (Eds.), Doctoral Education in Nursing: International Perspectives. 26(2), 176. https://link.gale.com/apps/doc/A146545059/AONE?u=anon~4ec6a993&sid=googleScholar&xid
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Nuin, C., Mariscal, I., Zabalegui, A., Macia, L., & Josefa, M. (2006). Changes in Nursing Education in the European Union. 98. Nunes, L. (2003). Um olhar sobre o ombro: Enfermagem em Portugal (1881-1998).
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Tuning Educational Structures in Europe - Final Report. (2003).
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01/01/2022
01/01/2024
Care Systems, Organization, Models, and Technology