Gestão de material clínico de bolso por Enfermeiros: fatores determinantes e avaliação microbiológica (Dissertação de Mestrado)

O conceito de fomite, segundo Tacconelli (2011), foi introduzido no séc. XIX, com origem no latim (fomes) e significa "objetos ou materiais capazes de transmitir infeção". Complementarmente, a descrição proposta por Vale e Dinis (2011) caracteriza fomite enquanto superfície ou objeto inanimado, poroso ou não, capaz de ficar contaminado com microrganismos patogénicos, que atuam como vetores de transmissão de infeções. As fomites podem ser contaminados por contato direto com as secreções corporais, mãos conspurcadas, por gotículas ou aerossóis eliminados durante o discurso, tosse, espirros ou pela disseminação dos microrganismos pela manipulação dos objetos.

Para Vale e Dinis (2011) existem imensos exemplos de fomites com os quais contatamos frequentemente como roupa, mobiliário, maçanetas, interruptores, teclados, comandos entre outros. Para os mesmos autores, também equipamentos utilizados em contexto hospitalar, como esfigmomanómetros, otoscópios, termómetros, oxímetros, monitores cardíacos e outros, têm sido identificados como potenciais fontes de contaminação.

De acordo com Livshiz-Riven et al. (2014), os materiais clínicos que são frequentemente partilhados entre utentes apresentam uma taxa de contaminação elevada, muitas vezes associadas a culturas bacterianas multirresistentes à antibioterapia convencional. Concordantemente, McNichol, Lund, Rosen e Gray (2013) descrevem que materiais clínicos como adesivos não devem ser armazenados ou transportados nos bolsos dos profissionais de saúde dado o elevado risco de contaminação e infecção cruzada. Na mesma linha de pensamento, Batista, Tipple, Leão-Vasconcelos, Ribeiro e Prado (2015) salientam que materiais de uso coletivo como garrotes não obedecem a políticas padronizadas de descontaminação, mesmo que entrem em contacto com diferentes microorganismos "provenientes da pele dos utentes, das mãos dos profissionais ou das superfícies onde são armazenados", como é exemplo o bolso da farda clínica dos Enfermeiros.

De acordo com Love (2013), os rolos de adesivo são dos equipamentos clínicos mais suscetíveis à transmissão de agentes patogénicos devido à inexistência de protocolos de lavagem e/ou desinfeção após a abertura do pacote original, considerando que são utilizados comummente por vários profissionais de saúde, armazenados em lugares inespecíficos e são usados em procedimentos técnicos como cateterismos vasculares, tratamento de feridas, manutenção de drenos, entre outros.

 Concordantemente, Harris, Ashurst-Smith, Berenger, Shoobert e Fergurson (2012), verificaram que todas as amostras de adesivo sujeitas a análise microbiológica no seu estudo apresentavam evidência de contaminação bacteriana por Pseudomonas spp. e Acinetobacter spp. e mais de metade das amostras estavam colonizadas com Staphylococcus Aureus resistente à Meticilina e Enterococcus resistentes à Vancomicina.

De igual modo, Pinto et al. (2011), analisaram a taxa de colonização bacteriana em garrotes reutilizáveis e verificaram que 78% das amostras recolhidas eram positivas para bactérias com potencial patogénico como Staphylococcus Aureus resistente à Meticilina, Pseudomonas spp. e Enterobacteriaceae. Já Nwankwo (2012), num estudo realizado envolvendo 1800 amostras microbiológicas recolhidas após análise de vários equipamentos e superfícies hospitalares, verificou que materiais como garrotes, tesouras e fórceps apresentavam elevadas taxas de colonização bacteriana por agentes patogénicos como Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e Streptococcus spp.

Complementarmente, Zingg et al. (2015) em parceria com o European Centre for Disease Prevention and Control, realizaram uma revisão sistemática da literatura com mais de 47 mil referências analisadas, tendo identificado fatores cruciais para a implementação e avaliação de programas de Prevenção e Controlo de Infecção a nível hospitalar de forma eficaz e eficiente, salientando-se: uso apropriado de guidelines, formação profissional, dotação de profissionais, taxa e duração de internamentos, tipologia de cuidados, entre outros. Todavia, os autores ressalvaram a importância da gestão de materiais clínicos, onde a sua existência, fácil acesso e manutenção desempenham um papel crítico neste âmbito.

De acordo com a Direcção Geral de Saúde (2016) as IACS dificultam o tratamento adequado do doente e são causa de significativa morbi-mortalidade, bem como de consumo acrescido de recursos hospitalares e comunitários. Apesar de ser possível evidenciar um aumento no número de casos de infeção documentados, cerca de um terço são, seguramente, evitáveis. A prevalência das IACS em ambiente hospitalar, na Europa, de acordo com o mais recente estudo coordenado pelo European Center for Disease Prevention and Control (2013) evidência taxas de prevalência de infeção adquiridas nos hospitais em Portugal (10.5%) superiores à média europeia (6,1%), sendo mais elevada nos indivíduos do sexo masculino (12,4%) quando comparados com o género feminino (8,8%). Em contexto nacional, dados que reportam a 2013 apontam para  4.606 casos óbitos por IACS (Direcção Geral De Saúde, 2016).

Deste modo, um gestor em saúde consciente da relevância da temática supracitada pode intervir em áreas de capital importância no âmbito da gestão de cuidados em Enfermagem que respeitem a atual evidência científica e a gestão/optimização eficiente de recursos clínicos (Wong et al., 2013). As autoras afirmam que o gestor, de forma indireta, é um elemento-chave na promoção de práticas seguras na área das infecções associadas aos cuidados de saúde, devendo ser um elemento de referência e catalisador para as equipas de saúde.

  • Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
  • Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra
  • Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra
  • Centro de Biotecnologia e Química Fina da Universidade Católica do Porto
  • Livshiz-Riven, I., Borer, A., Nativ, R., Eskira, S., & Larson, E. (2015). Relationship between shared patient care items and healthcare-associated infections: a systematic review. International Journal of Nursing Studies, 52(1):380-92. DOI: 10.1016/j.ijnurstu.2014.06.001.

    Wong, C., Cummings, G., & Ducharme, L. (2013). The relationship between nursing leadership and patient outcomes: A systematic review update. Journal of Nursing Management, 21(5):709-24. DOI:10.1111/jonm.12116.

    Direção-Geral de Saúde. (2015). Relatório Segurança dos Doentes: Avaliação da Cultura nos Hospitais. Recuperado de https://www.dgs.pt/documentos-epublicacoes/relatorio-seguranca-dos-doentes-avaliacao-da-cultura-nos-hospitaispdf.aspx

    Despacho n.º 1400-A/2015 de 10 de fevereiro do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Saúde. Diário da República: II Série, n.º 28 (2015). Acedido a 05 jul. 2017. Disponível em www.dre.pt.

    Tacconelli, E. (2011). When did the doctors become fomites? Clinical Microbiology and Infection, 17: 794–796. DOI:10.1111/j.1469-0691.2011.03499.x

    Vale, B. & Dinis, A. (2011). The role of fomites in the transmission of infectious diseases. Revista Saúde Infantil do Hospital Pediátrico Coimbra, 33 (1): 23-2. Recuperado de http://saudeinfantil.asic.pt/download.php?article_id=217

    Mcnichol, L., Lund, C., Rosen, T., & Gray, M. (2013). Medical adhesives and patient safety: state of science consensus statements for the assessment, prevention, and treatment of adhesive-related skin injuries. Orthopaedic Nursing, 32(5):267-81. DOI:10.1097/NOR.0b013e3182a39caf.

    Love, K. (2013).Single-Patient Rolls of Medical Tapes Reduce Cross-Contamination Risk. Infection control Today. Recuperado de http://www.infectioncontroltoday.com/articles/2013/01/singlepatient-rolls-of-medicaltapes-reduce-crosscontamination-risk.aspx

    Batista, K., Tipple, A., Leão-Vasconcelos, L., Ribeiro, E., & Prado, M. (2015). Contaminação de torniquetes para punção intravenosa periférica. Acta Paulista Enfermagem, 28(5):426-32. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-019420150072.

    Batista, K., Tipple, A., Leão-Vasconcelos, L., Ribeiro, E., & Prado, M. (2015). Contaminação de torniquetes para punção intravenosa periférica. Acta Paulista Enfermagem, 28(5):426-32. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-019420150072.

    Harris, P., Ashurst-Smith, C., Berenger, S., Shoobert, A., & Ferguson, J. (2012). Adhesive tape in the health care setting: another high-risk fomite?. The Medical Journal of Austalia, 196 (1). DOI: 10.5695/mja11.11211.

    Pinto, A., Phan, T., Sala, G., Cheong, E., Siarakas, S., & Gottlieb, T. (2011). Reusable Venesection tourniquets: a potential source of hospital transmission of multiresistant organisms. Medical Journal of Australia, 195 (5):276-9. DOI: 10.5694/mja11.10333

    Nwankwo, E. (2012). Isolation of pathogenic bacteria from fomites in the operating rooms of a specialist hospital in Kano, North-western Nigeria. Pan African Medical Journal, 12(90). Recuperado de http://www.panafrican-medjournal.com/content/article/12/90/full/

    Zingg, W., Holmes, A., Dettenkofer, M., Goetting, T., Secci, F., Clack, L., ... Pitter, D. (2015). Hospital organisation, management, and structure for prevention of healthcare-associated infection: a systematic review and expert consensus. Lancet Infectious Diseases, 15(2):212-224. DOI: 10.1016/S1473-3099(14)70854-0.

    Direção-Geral de Saúde. (2016). Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos: Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos em Números – 2015. Recuperado de https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-desaude/publicacoes/portugal-controlo-da-infecao-e-resistencia-aos-antimicrobianosem-numeros-2015-pdf.aspx

    European Centre for Disease Prevention and Control. (2013). Point prevalence survey of healthcare associated infections and antimicrobial use in European acute care hospitals 2011–2012. Stockholm: Author. doi 10.2900/86011

    Resultados esperados: no que concerne à temática e ao desenho metodológico, considera-se que a associação da gestão de material clínico de bolso por enfermeiros e a avaliação microbiológica é um contexto investigacional inovador e de elevada pertinência para a enfermagem, reconhecendo o seu impacto na prestação de cuidados pautados pela segurança, qualidade e eficácia. De modo geral, espera-se que este projeto: promova entre enfermeiros o reconhecimento do material de bolso, clínico e pessoal, como fator de risco extrínseco para o desenvolvimento de IACS; reduza contextos e práticas de gestão de material de bolso, clínico e pessoal, por enfermeiros, através da elaboração de guidelines neste âmbito temático; e facilite o acesso a normas e guidelines de referência nas unidades de cuidados.

    Informação do projeto

    • Data de início

      01/01/2016

    • Data de conclusão

      01/01/2019

    • Linha Temática

      Care Systems, Organization, Models, and Technology

    • Target population
      • Enfermeiros a exercerem funções em serviço de Medicina Interna de um Hospital de referência da Região Centro de Portugal.
    • Project Team
      • Paulo Jorge dos Santos Costa RI
      • João Manuel Garcia Nascimento Graveto
      • Helena da Conceição Pereira Albano
      • Cristina Isabel Gaspar dos Santos
      • Elisabete Amado Fernandes
      • Susana Isabel Elias Alarico
      • Vania Silva Oliveira