O envolvimento e participação das pessoas nos cuidados e nas políticas de saúde tem vindo a constituir-se uma prioridade internacional (The National Institute for Health and Care Excellence, 2023; World Health Organization, 2023, 2013).
O envolvimento das pessoas nos cuidados de enfermagem é um processo dinâmico que exige uma relação de empatia e compassiva entre pessoa-enfermeiro, a consideração dos valores, crenças e preferências da pessoa, o envolvimento mútuo em atividades intelectuais (decisão) ou físicas, e a partilha de poder e conhecimento. Esta abordagem promove cuidados individualizados, baseados numa parceria entre quem cuida e quem é cuidado, tornando a pessoa ativa no seu processo saúde-doença, significando, assim, que a mesma é envolvida e ouvida na decisão sobre os cuidados (Jewell, 1996; Nilsson et al., 2019; Sahlsten et al., 2008). Estudos evidenciam benefícios a este processo de forma global (ou seja, o envolvimento na ação e na decisão sobre os cuidados de enfermagem): melhorias nos resultados em saúde, nos níveis de satisfação e nas experiências de hospitalização da pessoa (Ding et al., 2019); na segurança dos cuidados (Hwang et al., 2019; McTier et al., 2015; Oxelmark et al., 2018); na qualidade dos cuidados (McTier et al., 2015); e na satisfação/ comprometimento dos enfermeiros (Ding et al., 2019). Verifica-se, assim, que o estudo desta problemática encontra-se maioritariamente retratado de forma global.
No que diz respeito ao envolvimento da pessoa na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem evidencia-se uma complexidade de compreensão deste fenómeno, nomeadamente devido à opção de um papel passivo por parte das pessoas (Kolovos et al., 2015; Tobiano et al., 2016). Assim, uma vez que conceptualmente participação é um processo que exige uma ação – papel ativo, para estudar este fenómeno optou-se pelo uso do conceito de envolvimento, o qual conceptualmente exige a avaliação prévia da decisão de envolvimento ativo ou passivo por parte da pessoa, afirmação esta que surge da reflexão: para envolver a pessoa no processo é necessário saber se a mesma pretende ser envolvida. Indo ao encontro do descrito, num estudo realizado na Grécia verificou-se que a participação das pessoas nos cuidados de enfermagem era moderada, no entanto, o modelo “paternalista” era aceitável pela maioria dos participantes (enfermeiros e pessoas). Este resultado foi justificado pelos autores com os seguintes argumentos: modelo biomédico dominante nos hospitais (gerando um papel passivo pelas pessoas), limitações organizacionais e difícil compreensão do fenómeno em estudo (o qual foi estudado com abordagem quantitativa (Kolovos et al., 2015).
Este fenómeno pode ser analisado à luz da Teoria das Transições, uma vez que os enfermeiros apoiam as pessoas no processo de transição, promovendo um nível máximo de autonomia (capacidade de decisão) e bem-estar, especificamente, quando a pessoa vivencia um internamento hospitalar por uma alteração súbita no seu estado de saúde ou pelo diagnóstico de uma doença crónica, verifica-se uma transição de saúde doença, a qual exige cuidados de enfermagem (Schumacher & Meleis,1994; Meleis et al., 2000). Sendo o envolvimento uma propriedade das transições, o qual é caraterizado pela participação ativa da pessoa neste processo (Meleis et al., 2000), perspetiva-se que o envolvimento da pessoa na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem seja facilitador do seu processo de transição. Também, sendo os significados atribuídos pela pessoa uma condição facilitadora/inibidora da transição (Meleis et al., 2000), sugere-se que este fenómeno influenciará os significados atribuídos pela pessoa à sua vivência em contexto hospitalar, e consequentemente facilitará este processo. Também a teoria de Alcance de Metas (King, 1996) defende a cooperação entre os enfermeiros-pessoas durante o processo de enfermagem (avaliação e recolha de dados, formulação e validação de diagnósticos, no planeamento e implementação das intervenções), no entanto, esta teoria não retrata de forma objetiva e consensual como a pessoa é envolvida nestas fases.
Posto isto, surgem questões nucleares: Como é promovido o envolvimento das pessoas na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem? De que forma as pessoas se sentem envolvidas na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem? Que significados atribuem ao seu envolvimento (ou omissão)?
O envolvimento das pessoas na decisão sobre os cuidados e políticas de saúde é uma prioridade internacional. Este fenómeno contribui para a qualidade e efetividade dos cuidados, assim como para melhorar as experiências das pessoas e reduzir os custos em saúde para as instituições. O envolvimento das pessoas é a base essencial dos cuidados de enfermagem e pode ser caracterizado pelo estabelecimento de uma relação entre enfermeiros-pessoas cuidadas, pela partilha de informação/conhecimento e pelo envolvimento mútuo em atividades intelectuais/ físicas, tendo em consideração a integração dos valores, crenças e preferências da pessoa. No entanto, relativamente ao processo de tomada de decisão, apesar da sua importância descrita e reconhecida, pouco se sabe como as pessoas se sentem envolvidas e como os enfermeiros as envolvem neste processo, verificando-se uma lacuna científica e possivelmente na prática clínica. Perspetiva-se com este projeto de doutoramento validar um modelo de suporte à promoção do envolvimento das pessoas na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem em contexto hospitalar.
Objetivo geral:
Validar um modelo de suporte à promoção do envolvimento da pessoa na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem em contexto hospitalar.
Objetivos específicos:
(1) Compreender as experiências das pessoas sobre o seu envolvimento e participação nos cuidados de enfermagem em ambiente hospitalar, através da síntese da evidência científica (Revisão Sistemática da Literatura Qualitativa).
(2) Compreender como as pessoas internadas em contexto hospitalar se sentem envolvidas na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem (Estudo qualitativo de cariz fenomenológico);
(3) Explorar as perceções dos enfermeiros sobre o envolvimento da pessoa na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem (Estudo descritivo-exploratório com abordagem qualitativa);
(4) Validar o modelo de suporte à promoção do envolvimento da pessoa na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem em contexto hospitalar, previamente construído (Método de Delphi).
Perspetiva-se que este projeto contribua para o desenvolvimento de conhecimento no que diz respeito aos cuidados de enfermagem, especificamente ao envolvimento das pessoas na tomada de decisão.
A compreensão de como as pessoas se sentem envolvidas na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem, da perceção dos enfermeiros sobre este fenómeno, e a co-construção de um modelo de suporte à promoção do envolvimento da pessoa na tomada de decisão sobre os cuidados de enfermagem, que envolverá todos os intervenientes (pessoais cuidadas, enfermeiros, investigadores e docentes) permitirá, não só, obter resultados que respondam às necessidades da pessoa que usufrui dos cuidados de enfermagem como dos profissionais de saúde que os implementa, os enfermeiros.
Para além da criação de conhecimento, espera-se que o modelo construído e validado, após ser implementado, promova cuidados de enfermagem efetivos e significativos para as pessoas, com valor acrescentado, reduza custos em saúde para as instituições e contribua para a satisfação profissional dos enfermeiros.
O cidadão será incluído na equipa de investigação, numa abordagem consultiva e colaborativa, nomeadamente através da sua inclusão no painel de Delphi. Este envolvimento acrescentará significado à construção e validação do modelo proposto neste projeto.
Neste sentido, perspetiva-se também a participação em eventos que promovam o envolvimento da sociedade na investigação, nomeadamente na Noite Europeia dos Investigadores. Potenciando não só a divulgação do projeto e dos seus resultados ao cidadão comum, como também o seu envolvimento, como potenciais co-investigadores.
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13/09/2023
29/07/2027
Care Systems, Organization, Models, and Technology