As experiências de cuidados pós-operatórios são caracterizadas por um contexto clínico complexo, altamente desafiador, ilustrado por uma prática clínica num ambiente incerto e mutável, o que determina que as tomadas de decisão sejam rápidas (Nilsson et al., 2020). Este período crítico e de grande vulnerabilidade para a pessoa cuidada, combina o risco de 40% de complicações associadas à cirurgia e anestesia (Bruins et al., 2017). Metade desses eventos ocorre na primeira hora após a admissão na UCPA (Street et al., 2017). E, 16,5% de eventos
adversos ocorrem após a alta (Petersen et al., 2017). Dado o número de variáveis que interferem no processo pós-operatório e o estado clínico da pessoa cuidada, este é muitas vezes obscuro, incerto e desajustado a um modelo de causalidade linear (Alam et al., 2017).
Através do raciocínio clínico e pela capacidade do enfermeiro avaliar dados clínicos e atribuirlhes significado, permite que faça inferências sobre quais as observações que requerem intervenção no âmbito da sua formação, conhecimento e experiência.,. A identificação dos diagnósticos de enfermagem pode ocorrer sob incerteza, o que exige o desenvolvimento de competências avançadas de raciocínio clínico. Aprender a navegar com sucesso pela incerteza, num cenário complexo e ambíguo, é essencial para a segurança da pessoa cuidada e para a manutenção de cuidados de saúde de qualidade (Holder, 2018).
O conceito de incerteza é descrito como uma componente cognitiva e emotiva, interrelacionada com o stress e com o coping (Fukada, 2018). Este está relacionado com a tomada de decisão ética (Hilton, 1994). Os estudos de enfermagem acerca do fenómeno da incerteza são maioritariamente focados na experiência de doença da pessoa cuidada, mas parcos para as experiências e comportamentos adaptativos dos enfermeiros na prática clínica. Dada a missão em UCPA, os enfermeiros admitem a pessoa em situação perioperatória, com elevado risco de complicações e exigindo uma vigilância clínica frequente. É esperado que os enfermeiros em UCPA tomem decisões clínicas de elevada complexidade, dado o seu nível de acuidade clínica.
Isso enfatiza a necessidade de realização de estudos sobre como os enfermeiros em UCPA desenvolvem as habilidades de raciocínio clínico, como e que dados colhem, bem como qual o raciocínio clínico que justifica a sua tomada de decisão neste contexto.
As capacidades para gerir a incerteza devem ser entendidas como um conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes individuais, organizacionais e interorganizacionais. A competência para o raciocínio clínico é correlacionada positivamente com os resultados apresentados pela pessoa; Enfermeiros com habilidades de raciocínio clínico deficitárias, muitas vezes, não reconhecem a iminência da deterioração clínica ou não atribuem uma priorização adequada das intervenções, o que pode resultar na ocorrência de eventos adversos (Clegg et al., 2015).
Ramani (et al., 2020) revelaram que a incerteza é expressa em casos com fatores contextuais de distração, com ênfase no diagnóstico. Esses resultados destacam que a incerteza pode levar ao erro e que é essencial encontrar maneiras para a gerir. Hall e colegas (2010) acrescentam que numa prática clínica que envolva diversas prioridades urgentes concorrentes, a segurança dos cuidados poderá ser condicionada.
Para os enfermeiros, a avaliação clínica da dor pós-operatória (pelo seu carácter subjetivo) e a avaliação comportamental da pessoa cuidada (nomeadamente em pessoas com dependência de substâncias psicoativas), estão associados a incerteza pessoal pela incapacidade de previsão dos outcomes da intervenção. Os enfermeiros referem que a parca experiência profissional, a impreparação técnico-científica e o equilíbrio entre a prática clínica e as crenças pessoais, estão relacionados com a incerteza científica. A relação desafiadora com a pessoa cuidada afeta o
reconhecimento de explicações causais. Aliado com incerteza prática, a variabilidade individual das práticas dos anestesistas podem induzir incerteza (Cunha et al., 2022). As dimensões de incerteza pessoal, prática e científica integram-se no Modelo de Incerteza em Ambientes Clínicos Complexos (MUCH-S) (Pomare et al., 2019).
A exploração do processo de raciocínio clínico torna-se basilar para a sua compreensão na prática clínica. Como os enfermeiros integram a evidência científica nas decisões da prática clínica? Como ensinam o processo de raciocínio clínico em contextos de incerteza numa época em que se acredita que a dúvida pode ser resolvida simplesmente com a prática baseada na evidência? São necessários estudos acerca do raciocínio clínico de enfermagem para
compreender a cognição do enfermeiro em situações complexas sob incerteza.
A equipa de investigadores é composta por uma enfermeira especialista em enfermagem médico-cirúrgica com vasta experiência em contexto clínico pós-anestésico e doutoranda em ciências de enfermagem. A restante equipa proposta é composta por investigadoras da UICISA: E e CINTESIS, com experiência clínica em contexto perioperatório e vasta experiência em investigação e com produção científica associada. Para a consecução efetiva do projeto, concorre igualmente a experiência em orientação pedagógica de estudantes de doutoramento.
Enquadramento - Os enfermeiros desempenham um papel importante na identificação precoce e tratamento da deterioração do estado clínico da pessoa em situação perioperatória, em Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos (UCPA).A eficácia dos cuidados a prestar é altamente dependente da qualidade diagnóstica assente no raciocínio clínico. A incerteza é comum no raciocínio clínico e esperada durante a prática. Não obstante, a incerteza pode comprometer a
acurácia diagnóstica e, consequentemente, a qualidade e segurança dos cuidados prestados.
Objetivo Geral e Questão de Investigação
Objetivo: Contribuir para a gestão da incerteza no raciocínio clínico dos enfermeiros em UCPA.
Questão: De que modo a gestão da incerteza contribui para o raciocínio clínico dos enfermeiros em UCPA?
Métodos e Desenho de Investigação – Estudo multi método.
Estudo I revisão integrativa da literatura.
Estudo II exploratório-descritivo de paradigma qualitativo.
Estudo III transversal de paradigma quantitativo.
Estudo IV método e-delphi modificado.
Resultados esperados - Contribuir para a compreensão do fenómeno, ajudando os enfermeiros em UCPA a gerir a incerteza no raciocínio clínico, e a potenciar a segurança e qualidade dos cuidados prestados. Esta pesquisa poderá fornecer insights para os profissionais de saúde, e decisores políticos, representando um ponto de partida para o desenvolvimento de estratégias organizacionais.
Estudo I: a) identificar evidência disponível relacionada com a incerteza no raciocínio clínico dos enfermeiros em UCPA;
b) analisar os resultados na perspetiva do Model of Uncertainty in Complex Healthcare Settings(MUCH-S).
Estudo II: Descrever e analisar experiências de incerteza no raciocínio clínico dos enfermeiros
em UCPA.
Estudo III: Analisar diferenças no raciocínio clínico sob incerteza dos experts, dos enfermeiros e dos estudantes de pós-licenciatura em enfermagem médico-cirúrgica – ramo de enfermagem perioperatória, em contexto pós-anestésico.
Estudo IV: Elaborar um guia com recomendações de estratégias para gerir a incerteza no raciocínio clínico dos enfermeiros em UCPA.
A avaliação do raciocínio clínico dos enfermeiros e do impacto potencial nos resultados da pessoa cuidada é atualmente limitada pela falta de evidência científica específica na disciplina de enfermagem. Num contexto clínico contingente como o pós-anestésico, importa identificar o processo de raciocínio clínico sob incerteza dos enfermeiros, o impacto na sua prática clínica e os aspetos facilitadores e dificultadores deste processo. Ao tornar presente o fenómeno de incerteza, os enfermeiros poder-se-ão tornar mais competentes na sua abordagem inicial, reduzindo os efeitos negativos que a incerteza possa vir a ter relacionada com a segurança e qualidade dos cuidados de saúde. Em última instância, o utilizador dos cuidados de saúde poderá beneficiar de cuidados de qualidade e seguros.
A exploração da incerteza no raciocínio clínico dos enfermeiros na UCPA, pode ser considerada uma panaceia para garantir a segurança dos cuidados de saúde. Não obstante, a compreensão da incerteza clínica tem a seu favor o facto de colocar as suas consequências ou efeitos no centro das decisões, podendo assim contribuir para a melhoria dos cuidados.
Um dos outcomes da investigação previsto é a elaboração de um guião de apoio à prática clínica, com recomendações de estratégias para gerir a incerteza no raciocínio clínico dos enfermeiros na UCPA. O utilizador de cuidados de saúde terá acesso ao material pedagógico, podendo num momento posterior, dar contributos para o seu enriquecimento sob o seu ponto de vista.A disseminação da produção científica associada ao PEA será efetuada na comunidade científica
(através de publicações de artigos), na esfera dos profissionais de saúde (material de apoio à prática clínica através da Ordem dos Enfermeiros) e acessível ao utilizador de cuidados de saúde (plataformas institucionais hospitalares).
Alam R, Cheraghi-Sohi S, Panagioti M, Esmail A, Campbell S, Panagopoulou E. Managing diagnostic uncertainty in primary care: a systematic critical review. BMC Fam Pract 2017 [cited 2021 July 22]; 18(1): e-79. DOI: 10.1186/s12875-017-0650-0
American Society of Perianesthesia Nursing (ASPAN). PeriAnesthesia Nursing Core Curriculum: Preprocedure, Phase I and Phase II PACU Nursing. 4th ed. Missouri: Elsevier Health Sciences; 2020. ISBN: 9780323639743.
Braun V. , Clarke,V. Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology.2006; 3 (2):77-101. ISSN 1478-0887 Available
from:http://eprints.uwe.ac.uk/11735.
Bruins SD, Leong PM, Ng SY. Retrospective review of critical incidents in the postanesthesia care unit at a major tertiary hospital. Singapore Med Journal 2017:58(8): e- 497-e-501.DOI: 10.11622/smedj.2016126.
Clegg S, Kornberger M, Pitsis T. Managing and organizations: An introduction to theory and practice. 3rd ed. London: Sage Publications Ltd; 2015. ISBN 978-1-4462-9836-7.
Cunha LDM, Pestana-Santos M, Lomba L, Reis Santos M. Uncertainty in postanaesthesia nursing clinical reasoning: An integrative review in the light of the model of uncertainty in complex health care settings. Journal of Perioperative Nursing. 2022 May 27; 35(2): e32-e40. Available at: https://doi.org/10.26550/2209-1092.1182.
Fukada M. Nursing Competency: Definition, Structure and Development. Journal of Medical Science. 2018; 61(1): 1–7.
Guillaume D, Lejus C, Sztark F, Nathan N, Fourcade O, Tack I, et al. The Script Concordance Test in anesthesiology: Validation of a new tool for assessing clinical reasoning. Anaesthesia Critical Care & Pain Medicine. 2015; 34(1): 11-5.
Hall LM, Ferguson-Paré M, Peter E, White D, Besner J, Chisholm A, Ferris E, Fryers M, Macleod M, Mildon B, Pedersen C, Hemingway A. Going blank: factors contributing to interruptions to nurses’ work and related outcomes. Journal of Nursing Management.
2010; 18: 1040-047.
Hilton BA. The uncertainty stress scale: its development and psychometric properties. Canadian Journal of Nursing Research. 1994; 26(3): 15-30. Holder, A.G. (2018). Clinical Reasoning: A State of the Science Report. International Journal of Nursing Education Scholarship, 15(1), 1-10.
Hutchinson M, Hurley J, Kozlowski D, Whitehair L. The use of emotional intelligence capabilities in clinical reasoning and decision-making: A qualitative, exploratory study. Journal of Clinical Nursing. 2017; 27(3-4): 600–10.
Nilsson U, Gruen R, Myles PS. Postoperative recovery: the importance of the team. Anaesthesia 2020:75(S1), e158-e164. DOI: 10.1111/anae.14869.
Petersen TM, Ludbrook G, Flabouris A, Seglenieks R, Painter TW. Developing models to predict early postoperative patient deterioration and adverse events. ANZ Journal of Surgery 2017:87:e-457-e-461. DOI: 10.1111/ans.13874.
Pomare C, Churruca K, Ellis LA, Long JC, Braithwaite J. A revised model of uncertainty in complex healthcare settings: a scoping review. Journal of Evaluation in Clinical Practice (2019):25(2): 176-182. DOI: 10.1111/jep.13079.
Street M, Phillips NM, Mohebbi M, Kent B. Effect of a newly designed observation, response and discharge chart in the Post Anaesthesia Care Unit on patient outcomes: a quasi-experimental study in Australia. BMJ Open 2017:7(12). DOI:10.1136/ bmjopen- 2016-015149.
Ramani D, Soh M, Merkebu J, Durning SJ, Battista A, McBee E, Ratcliffe T, Konopasky A. Examining the patterns of uncertainty across clinical reasoning tasks: effects of contextual factors on the clinical reasoning process. Diagnosis (Berl). 2020; 7(3): 299-305.
Varndell, W., Fry, M., Lutze, M., & Elliott, D. (2020). Use of the Delphi method to generate guidance in emergency nursing practice: a systematic review. International Emergency Nursing, 56, 1-9.
01/01/2022
01/01/2025
Care Systems, Organization, Models, and Technology