A inserção de um dispositivo de acesso vascular (DAV) periférico é um dos procedimentos invasivos mais frequentes em contexto clínico, estimando-se que 9 em cada 10 pessoas internadas necessitam de, pelo menos, um destes dispositivos [1-3]. Os DAV são essenciais para administração endovenosa de terapêutica farmacológica (e.g., antibióticos), nutrição parentérica, fluidoterapia, hemoderivados, meios de contraste, diálise e colheita de sangue [1,2]. Estima-se que biliões de dispositivos sejam inseridos anualmente em todo o mundo, com mercado em crescimento [2].
Apesar da ubiquidade, os DAV acarretam riscos: tromboflebite, infiltração/extravasamento de fluído e infeções associadas, levando muitas vezes à substituição do cateter. A manutenção inadequada pode causar oclusão ou remoção acidental, resultando em atrasos terapêuticos, maior desconforto para o paciente, aumento de carga de trabalho e custos para os sistemas de saúde. Assim, torna-se essencial salvaguardar a eficiência e segurança, sobretudo na manutenção, preservando a longevidade do cateter e reduzindo riscos [1-3]. Entre os cuidados mais referidos na literatura está o flushing e locking dos DAV, que consistem no preenchimento do espaço intraluminal com soluções específicas (e.g., salina isotónica) [2,4-6]. O flushing assegura funcionalidade, evita interações medicamentosas e reduz biofilmes intracateter, que dificultam ação antimicrobiana [2]. O locking corresponde ao preenchimento final com pressão positiva, prevenindo retorno venoso, coágulos e oclusões [2].
Tradicionalmente, os cuidados de manutenção exigem duas a três seringas estéreis, podendo o número aumentar consoante o plano terapêutico. Recomenda-se flushing/locking pelo menos a cada 24h, mesmo sem utilização do DAV [2,6-7]. Embora presente em guidelines internacionais [2,6-7], a prática nem sempre é realizada, ou ocorre de forma inadequada quanto aos momentos, técnica e volume para garantir a integridade do DAV [3,4].
Uma revisão sistemática em Portugal no âmbito do cateterismo venoso periférico revelou grande heterogeneidade na prática de flushing e locking, com omissões entre 15% e 80% [3]. Fatores incluem falta de tempo e complexidade do cuidado, sobretudo em administrações simultâneas e frequentes ao longo do dia. O mesmo é descrito em estudos internacionais [6,8]. Por isso, a Infusion Nurses Society [2] recomenda o desenvolvimento de soluções inovadoras para otimizar flushing e locking. Em contextos como cuidados intensivos, oncológicos ou perioperatórios, a manipulação frequente do DAV aumenta o risco de complicações. Recentes desenvolvimentos tecnológicos permitem administrar duas soluções sequencialmente [5,8], mas muitos produtos exigem manipulações adicionais, podendo gerar erros e trauma vascular [8]. Outras limitações incluem ausência de flushing inicial, impossibilidade de carregamento in situ, volume fixo de flushing/locking ou restrição ao uso de soro fisiológico [8].
Anteriormente, parte da equipa do consórcio colaborou no desenvolvimento da “Seringa DUO”, um projeto de seringa de dupla câmara [9]. Contudo, o conceito e produto final exigia um controlo dimensional extremamente rigoroso, inadequado para os processos de fabrico disponíveis, e durante os ensaios pré-clínicos, ocorreram contatos inesperados entre as soluções nas câmaras. Para o novo projeto, será fundamental testar a seringa com diferentes conectores (e.g., válvulas de controlo de fluxo, torneiras de três vias, prolongadores) e DAV (e.g., cateteres periféricos curtos, periféricos longos, cateteres midline) para assegurar a sua qualidade antes da condução de ensaios clínicos com seres humanos. Com base no conhecimento e experiência adquiridos pelo consórcio, pretende-se desenvolver um novo conceito que supere as dificuldades anteriormente identificadas, alinhando o produto de forma mais precisa às vicissitudes e necessidades dos contextos clínicos e do mercado.
Em resposta a esta necessidade, surge o projeto Seringa EasyFlush (SEF), que resulta da parceria entre Moliporex, PIEP, ESEnfC e ESEL. A experiência acumulada permite agora desenhar um novo conceito, alinhado às necessidades clínicas e recomendações internacionais, mitigando limitações práticas e industriais identificadas anteriormente.
O projeto Seringa EasyFlush (SEF) visa desenvolver uma seringa inovadora que integra as funções de flushing, administração de medicamentos e locking num único dispositivo, simplificando a manutenção de cateteres venosos e reduzindo complicações como infeções e tromboflebite. O projeto inclui a definição de requisitos técnicos, otimização do design e produção, e validação pré-clínica em ambientes simulados, assegurando qualidade e aplicabilidade clínica.
Desenvolver e validar em contexto pré-clínico uma solução inovadora que permita a administração endovenosa de terapêutica medicamentosa, realização de flushing e locking de cateter com recurso a uma só seringa, diminuindo riscos associados para a pessoa doente e profissionais de saúde. O consórcio propõe-se a assegurar que nesta solução tecnológica exista uma total separação física entre soluções, sustentada num mecanismo de ação simples e intuitivo para os profissionais de saúde que permita o carregamento in situ e isolado de soluções distintas em cada câmara, com volumes ajustados de acordo com as necessidades clínicas do paciente.
- Desenvolver um protótipo funcional da seringa que permita a administração endovenosa de terapêutica medicamentosa que assegure uma taxa de contaminação entre câmaras de 0%, que permita ao profissional de saúde dosear quantidades de soluções e que possibilite a administração para uma quantidade igual ou superior de 85% dos consumíveis utilizados.
- Validar um protótipo que reduza as manipulações em 30% comparado a seringas tradicionais.
- Validar um protótipo da seringa que assegure a realização das três etapas de boas práticas na administração por bólus de terapêutica endovenosa, com uma taxa de compliance dos profissionais de saúde ≥ 80%.
As seringas descartáveis são os dispositivos médicos com maior consumo em todo o mundo, preferidos para injeções de medicamentos e soluções por via endovenosa. Em 2023, o mercado global foi estimado em US$ 14,4 bilhões, com previsão de atingir US$ 22,7 bilhões até 2028, crescendo a uma taxa anual de 9,53% (Research and Markets reports: Disposable Syringes Market, 2024-2029). A pandemia de COVID-19 impulsionou esse crescimento, tanto pelo aumento do uso de seringas durante o surto do SARS-CoV-2 quanto pela massiva aplicação de vacinas.
Os procedimentos clínicos de administração endovenosa ainda apresentam riscos significativos para os pacientes, como a infeção bacteriana associada ao cateter, cujo risco aumenta proporcionalmente ao número de manipulações realizadas. Assim, o dispositivo proposto visa reduzir a incidência de infeções hospitalares, minimizando riscos para o paciente e otimizando os procedimentos clínicos, o que poderá reduzir também os custos operacionais das entidades de saúde.
Atualmente, não existe no mercado uma solução compatível e economicamente viável de seringa multicâmara para administração sequencial de fármacos e a subsequente limpeza do cateter em contextos clínicos de pacientes em pós-operatório e oncológicos. A seringa proposta é, portanto, uma solução inovadora e disruptiva face às alternativas existentes, apresentando potencial para aumentar a segurança, a eficiência e a sustentabilidade no uso de dispositivos médicos.
O presente projeto considera a abordagem consultiva, envolvendo os cidadãos (como end-users) para obter opiniões.
[1] Morrell E. Reducing Risks and Improving Vascular Access Outcomes. Journal of Infusion Nursing. 2020;43(4):222–8. doi:10.1097/NAN.0000000000000377
[2] Nickel, B., Gorski, L., Kleidon, T., Kyes, A., DeVries, M., Keogh, S., Meyer, B., Sarver, M. J., Crickman, R., Ong, J., Clare, S., & Hagle, M. E. (2024). Infusion Therapy Standards of Practice, 9th Edition. Journal of infusion nursing : the official publication of the Infusion Nurses Society, 47(1S Suppl 1), S1–S285. https://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000532
[3] Santos-Costa P, Paiva-Santos F, Sousa LB, et al. Nursing Practices and Sensitive Outcomes Related to Peripheral Intravenous Catheterization in Portugal: A Scoping Review. J Infus Nurs. 2023;46(3):162-176. doi:10.1097/NAN.0000000000000505
[4] Ribeiro, G. da S. R., Campos, J. F., & Silva, R. C. da. (2022). What do we know about flushing for intravenous catheter maintenance in hospitalized adults? Revista Brasileira de Enfermagem, 75, e20210418. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0418
[5] Keogh S, Marsh N, Higgins N, Davies K, Rickard C. A Time and Motion Study of Peripheral Venous Catheter Flushing Practice Using Manually Prepared and Prefilled Flush Syringes. Journal of Infusion Nursing. 2014 Mar;37(2):96–101. doi:10.1097/NAN.0000000000000024
[6] World Health Organization. (2024). Guidelines for the prevention of bloodstream infections and other infections associated with the use of intravascular catheters: part I: peripheral catheters. World Health Organization. https://iris.who.int/handle/10665/376722
[7] Pittiruti M, Van Boxtel T, Scoppettuolo G, et al. European recommendations on the proper indication and use of peripheral venous access devices (the ERPIUP consensus): A WoCoVA project. The Journal of Vascular Access. 2023;24(1):165-182. doi:10.1177/11297298211023274
[8] Sousa, L. B., Santos-Costa, P., Marques, I. A., Cruz, A., Salgueiro-Oliveira, A., & Parreira, P. (2020). Brief Report on Double-Chamber Syringes Patents and Implications for Infusion Therapy Safety and Efficiency. International Journal of Environmental Research and Public Health, 17(21), Artigo 21. https://doi.org/10.3390/ijerph17218209
[9] Ana, F., Anabela, O., Pedro, P., Arménio, C., Liliana, S., Inês, M., et al. (2023). Seringa de dupla câmara (Patente PT12220U). https://patents.google.com/patent/PT12220U/pt?oq=12220
05/05/2025
28/04/2028
Inovação em Tecnologias dos Cuidados de Saúde: Estudo e desenvolvimento de soluções inovadoras
Care Systems, Organization, Models, and Technology