Contributos para o processo formativo dos estudantes da Licenciatura em Enfermagem na área da preparação do familiar cuidador

Portugal enfrenta um envelhecimento populacional marcado pela redução da natalidade e mortalidade, aumento da esperança de vida, avanços terapêuticos e melhoria socioeconómica (OCDE, 2024; Petronilho, 2007). Estas transformações, associadas ao crescimento das doenças crónicas, aumentam a dependência em autocuidado e a necessidade de familiares cuidadores, hoje responsáveis por tarefas cada vez mais complexas (Eurocarers, 2023). Na Europa, 80% dos cuidados de longa duração são informais e, em Portugal, estima-se 1,3 milhões de cuidadores (12,3% da população) (Eurocarers, 2023). A teoria do défice de autocuidado (Orem; Tomey & Alligood, 2004) sustenta que quando as exigências superam a capacidade de autocuidado, a intervenção de enfermagem é necessária. Situações desse tipo surgem frequentemente no internamento, após eventos agudos ou crónicos. Orem et al. (2001) descrevem sistemas de ação planeados pelos enfermeiros para colmatar essas limitações, sendo a identificação precoce fundamental (Queirós et al., 2014).A dependência pode instalar-se progressivamente, permitindo adaptação, ou de forma súbita, exigindo adoção imediata do papel de cuidador. Para apoiar a transição, os enfermeiros devem conhecer o processo e intervir (Moral-Fernández et al., 2018). O conceito de transição, central na teoria de Meleis (Chick & Meleis, 1986; Meleis et al., 2000), define-se como passagem de estado em fases temporais limitadas, resultante de interações pessoa-ambiente. A transição do cuidador familiar insere-se nas “transições situacionais” (Schumacher & Meleis, 1994; Meleis, 2007; Campos, 2021; Petronilho, 2013; Shyu, 2000). O ICN (2019) define-o como a pessoa responsável pela prevenção e tratamento da doença ou incapacidade de um familiar.Assumir este papel é um desafio. A preparação deve iniciar-se no hospital e concluir-se apenas com a integração da identidade de cuidador (Meleis et al., 2000). Desde a admissão, o cuidador deve ser identificado e incluído nos planos de cuidados, articulando hospital e domicílio, num processo contínuo de suporte (Dixe et al., 2020; Gomes & Martins, 2016; Hustings, 2023; Petronilho, 2016). Shyu (2000) descreve etapas de compromisso, negociação e resolução que orientam intervenções e reduzem a sobrecarga.Estudos em Portugal mostram que enfermeiros e estudantes valorizam a família como parte dos cuidados (Fernandes et al., 2015; Frade et al., 2021). Porém, apesar do reconhecimento do impacto positivo dos cuidados centrados na família (Swan & Eggenberger, 2021), a prática ainda é limitada. Persistem lacunas na documentação e apoio ao cuidador (Oliveira et al., 2011; França et al., 2023) e poucas intervenções específicas em contexto hospitalar (Frade, Henriques & Frade, 2021).Em alguns contextos clínicos observa-se integração parcial de modelos teóricos (Ribeiro et al., 2019), mas de forma fragmentada. Cloyes et al. (2020) alertam que documentos reguladores da formação em enfermagem quase não mencionam cuidadores, perpetuando a sua invisibilidade. Defendem a atualização curricular, promovendo competências básicas no ensino inicial e competências avançadas em especialidade.Para garantir cuidados eficazes, é crucial desenvolver competências específicas durante a formação pré-graduada (Swan & Eggenberger, 2021). Liu & Aungsuroch (2018) identificam 11 componentes da competência em enfermagem, incluindo prática clínica, comunicação, ética, liderança e pensamento crítico. O desenvolvimento destas competências depende da interação multiprofissional, do contexto organizacional, da mobilização de saberes e da supervisão clínica (Serrano et al., 2011).Planos de estudo devem integrar estratégias que permitam avaliar e intervir junto das famílias (Silva et al., 2022). Experiências internacionais, como a de Meiers, Eggenberger & Krumwiede (2018) e Mesquita et al. (2018), mostram a viabilidade de currículos centrados na família, articulando teoria e prática. Supervisores clínicos têm papel decisivo, promovendo exposição às famílias, reflexão crítica e definição de objetivos (Longhini et al., 2024).Face ao aumento da dependência, é urgente preparar enfermeiros capazes de apoiar cuidadores familiares. Isso implica currículos que privilegiem competências relacionais, conteúdos sobre transições e prática supervisionada, recorrendo a metodologias como o debriefing estruturado e a narração dialógica (Silva et al., 2022).

Portugal tem registado um envelhecimento populacional acentuado, associado à diminuição das taxas de natalidade e mortalidade, ao aumento da esperança de vida, aos avanços terapêuticos e à melhoria das condições socioeconómicas. Estas mudanças, aliadas ao aumento das doenças crónicas, intensificam a necessidade de familiares cuidadores, que representam uma parte significativa da população e assumem hoje um papel crucial nos cuidados de saúde. Contudo, a transição para o desempenho deste papel, sobretudo após eventos súbitos, gera desafios para cuidadores e enfermeiros que os preparam. Apesar do reconhecimento da importância do envolvimento familiar, a preparação de cuidadores permanece insuficiente. Torna-se evidente a necessidade de cuidados mais centrados na família nos programas de formação em enfermagem, garantindo que estudantes e profissionais adquiram competências para capacitar os cuidadores. O ajustamento dos currículos da licenciatura em enfermagem e das práticas supervisivas é essencial para o desenvolvimento dessas competências. Este projeto integra seis estudos independentes, com metodologias distintas, que visam propor contributos para o processo formativo dos estudantes de enfermagem na preparação de familiares cuidadores.

Com o desenvolvimento deste projeto, pretende-se concretizar o seguinte objetivo geral: desenvolver uma proposta com contributos para o processo formativo dos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem na preparação de familiares cuidadores.

Por forma a concretizar o objetivo geral, definiram-se os seguintes objetivos específicos:

• Mapear os conteúdos programáticos relacionados com os familiares cuidadores nas fichas das unidades curriculares do curso de licenciatura em Enfermagem;

• Analisar a produção científica e os documentos oficiais de diferentes entidades relativamente ao desenvolvimento curricular em enfermagem e às metodologias de ensino-aprendizagem utilizadas;

• Conhecer a perspetiva dos estudantes finalistas, enfermeiros recém-licenciados e dos professores de Enfermagem sobre a forma como o curso de licenciatura em Enfermagem contribuiu para o desenvolvimento de competências necessárias para a preparação e suporte ao familiar cuidador;

• Compreender as perceções dos familiares cuidadores sobre o papel dos enfermeiros na preparação para a transição para o papel de cuidador;

• Desenvolver uma proposta de contributos para o processo formativo dos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem no desenvolvimento de competências para a preparação do familiar cuidador.

Este projeto apresenta uma inovação significativa ao colocar o familiar cuidador no centro da formação em enfermagem, reconhecendo-o não apenas como suporte à pessoa com dependência, mas também como cidadão com necessidades próprias de capacitação, acompanhamento e valorização social. A originalidade reside na integração do familiar cuidador nos planos curriculares da licenciatura em enfermagem, propondo metodologias centradas na família e alinhadas com referenciais, como a teoria das transições de Meleis e a teoria do autocuidado de Orem. O impacto para a sociedade traduz-se ao preparar futuros enfermeiros para apoiar os familiares cuidadores, ao promover a qualidade e segurança dos cuidados prestados à pessoa com dependência, reduzindo hospitalizações e complicações associadas. Para os familiares cuidadores, gera-se empoderamento, bem-estar e redução da sobrecarga física e emocional, favorecendo a sua integração ativa nos processos de decisão em saúde. Para o sistema de saúde, a valorização dos cuidadores como parceiros estratégicos contribui para a sustentabilidade dos cuidados de longa duração, numa sociedade marcada pelo envelhecimento demográfico e aumento da doença crónica.

O envolvimento do cidadão neste projeto é concebido de forma gradual, valorizando diferentes níveis de participação e reconhecendo o papel central dos familiares cuidadores como parceiros da investigação. Na dimensão consultiva, serão promovidos grupos de discussão com cuidadores, estudantes de enfermagem, recém-licenciados e professores, recolhendo opiniões sobre necessidades formativas, experiências e expectativas. Esta escuta permitirá alinhar o projeto com as realidades vividas e aumentar a relevância social da investigação. Numa abordagem colaborativa, alguns cidadãos, sobretudo cuidadores, serão envolvidos como “parceiros de investigação”, participando na análise de questionários, na revisão de formulários de consentimento, no desenho de estratégias de recolha de dados e em workshops de validação. Esta partilha da decisão entre investigadores e cidadãos acrescenta valor científico e legitimidade social ao projeto. Já na vertente de coprodução, cuidadores e atores ligados à formação em enfermagem poderão integrar a equipa alargada como membros ativos, participando em fases críticas como planeamento, acompanhamento e disseminação de resultados. Ao assumirem um papel equiparado ao dos investigadores, reforça-se a corresponsabilidade no processo científico e garante-se que os resultados respondem efetivamente às necessidades das famílias e da comunidade. Assim, ao conjugar estas três abordagens, o projeto promove investigação participativa, inclusiva e alinhada com prioridades sociais, garantindo maior impacto para cidadãos e sociedade.

  • ICBAS - UP
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    Project Information

    • Start Date

      15/09/2025

    • Completion date

      14/09/2028

    • Structuring project

      Investigação e Inovação no Ensino da Enfermagem (IIEE)

    • Thematic line

      Education and development of the discipline

    • Target population
      • Estudantes da licenciatura em enfermagem
    • Keywords
      • Processo Formativo
      • Familiar cuidador
      • Estudantes de Enfermagen
      • Educação em Enfermagem
    • Áreas prioritárias
      • Formação e desenvolvimento dos profissionais de saúde
      • Transições de saúde e autocuidado
    • ODS da Agenda 2030 das Nações Unida
      • Garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades
      • Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos
    • Project Team
      • Joana Margarida Martins da Silva RI
      • Rui Filipe Lopes Gonçalves
      • Joana Campos
      • Fátima Araújo