Tornar-se pai é um processo de transição significativo, que envolve grandes mudanças nos papéis, identidade e foco na vida (Baldwin et al., 2018). Observa-se um reconhecimento da importância da paternidade no desenvolvimento das crianças e construção de masculinidades mais cuidadoras, sobretudo pela construção conceptual em torno da parentalidade e género. Grande parte da produção científica centrava-se na mãe, mas nas últimas décadas verificam-se investigações com a tónica no pai e a sua importância no envolvimento nos cuidados e educação da criança (Monteiro et al., 2010).
Ao longo do séc. XX, observaram-se mudanças nos modelos familiares, decorrentes, entre outros fatores, do ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Isto exigiu a reconfiguração dos papéis sociais e familiares, existindo atualmente padrões e modelos familiares centrados em casais de duplo emprego, que vivem uma divisão mais simétrica e igualitária dos papéis de género, em que ambos encontram espaço no mercado de trabalho e na esfera doméstica (Wall et al., 2010). O papel do homem tem então vindo a diferenciar-se do que era conhecido no modelo de família tradicional, observando-se a sua entrada no universo doméstico e dos cuidados com os/as filhos/as (Wall et al., 2010) e um maior investimento nas emoções e nas relações, com sugestão de uma figura paterna afetiva (Cordeiro, 2013).
Uma paternidade envolvida e cuidadora é aquela que se exerce de um modo afetivo, efetivo e participativo na vida quotidiana dos/as filhos/as, na qual o pai protege e zela pela satisfação das necessidades da criança, de acordo com as fases do seu desenvolvimento, e se envolve diretamente nas tarefas do cuidar (Direção-Geral da Saúde, 2020).
Uma paternidade cuidadora beneficia as crianças, as mulheres e os próprios homens (van der Gaag et al., 2019). Uma boa relação entre o pai e filho/a influencia positivamente as relações da criança, o desenvolvimento de atitudes pró-sociais (Ferreira et al., 2016; Lux & Walper, 2019), constitui um fator de proteção contra a agressão em crianças e adolescentes (Abraham & Feldman, 2018) e estas são estimuladas a expandirem os seus limites e apresentam menos ansiedade (Möller et al., 2016). As mulheres sentem-se apoiadas emocionalmente e menos stressadas (Carmo et al., 2021) e estão mais ativas no mercado de trabalho (Ignacio et al., 2021). Os homens têm relações mais saudáveis com as crianças e as companheiras, maior autoperceção de saúde física, mental (Ignacio et al., 2021) e emocional (DeGeer et al., 2014) e apresentam menos comportamentos de risco e consumo de drogas (Levtov et al., 2015), demonstrando, por isso, vidas mais saudáveis.
O Relatório da Situação da Paternidade no Mundo refere que 85% dos pais gostaria de se envolver mais nos cuidados ao seu/sua filha nos primeiros meses de vida, sendo as normas de género que responsabilizam as mulheres pelos cuidados, assim como a perceção de que estas são as mais competentes, um dos obstáculos identificados (van der Gaag et al., 2019). O homem não tem recebido a atenção necessária nesta matéria (Belghiti-Mahut et al., 2012), concretamente na saúde. Os enfermeiros quando promovem o papel parental tendem a focar a sua intervenção nas mulheres, reforçando os estereótipos e papéis de género. É então necessário atuar para terminar com os ambientes em que as mulheres são subvalorizadas e em que a participação ativa dos homens nos cuidados também está limitada.
A literatura sobre a transição para a maternidade e parentalidade é prevalente, mas o interesse pela transição para a paternidade e seus aspetos específicos é recente (Dunkel-Schetter et al., 2001). Transição é um conceito relevante nas ciências sociais e na área da saúde, com especial contributo da e para a Enfermagem. Na Teoria das Transições de Meleis, a transição ocorre devido a um evento crítico e define-se como a passagem de um estado estável (lugar ou condição) para outro estável, exigindo à pessoa a incorporação de conhecimentos, alteração de comportamento e mudança na definição do self (Meleis et al., 2000). Esta teoria é constituída pelos domínios: natureza das transições (tipos, padrões e propriedades); condicionantes facilitadores e/ou inibidores da transição (pessoais, comunitários e sociais); e padrões de resposta (indicadores do processo e do resultado) (Meleis, 2007).
O estudo da transição para a paternidade pode não só explicar como se desenvolve esta transição como identificar fatores sensíveis aos cuidados de enfermagem.
Uma paternidade envolvida e cuidadora é considerada uma dimensão chave para a igualdade de género. A paternidade enquanto processo de transição ainda não foi suficientemente estudada e os cuidados prestados pelos enfermeiros tendem a reforçar estereótipos e papéis de género.Tendo como referencial a teoria das transições de Meleis, este projeto objetiva desenvolver uma teoria explicativa de enfermagem que sustente e fortaleça a oferta de cuidados aos homens pais durante esta transição e que sejam promotores do exercício de uma paternidade mais ativa. Usará a Grounded Theory como metodologia. Os participantes serão homens pais e os dados recolhidos por entrevistas semiestruturadas e focus groups, que serão analisados através do método questionamento e comparação sistemática. A validação da análise será através de focus groups constituídos por profissionais e peritos da área da paternidade e pelos participantes.Espera-se contribuir com uma teoria de transição, que não só sustente a clínica, mas também fortaleça o desenvolvimento da disciplina de enfermagem.
Centrado na paternidade e na teoria das transições como referencial teórico, este projeto parte da questão de investigação «Como se desenvolve a transição para a paternidade?». Tem como finalidade desenvolver uma teoria explicativa de enfermagem que sustente e fortaleça a oferta de cuidados de enfermagem aos homens pais durante esta transição e que ajude estes profissionais a serem agentes promotores da paternidade.Foram definidos como objetivos:
1. Conhecer a perceção de peritos na área sobre as vivências dos homens pais na paternidade;
2. Sintetizar a melhor evidência científica disponível sobre as experiências vividas pelos homens pais durante a paternidade;
3. Compreender a natureza da transição para a paternidade;
4. Compreender as condições pessoais, comunitárias e sociais que sejam facilitadoras ou inibidoras da transição para a paternidade;
5. Compreender os padrões de resposta dos homens pais durante a transição para a paternidade;
6. Identificar condições sensíveis aos cuidados de enfermagem que promovam a paternidade;
7. Construir uma teoria explicativa da transição para a paternidade.
O tema projeto de investigação é inovador, não só pelos poucos estudos realizados, mas também pelos contributos que trará para o conhecimento da transição para a paternidade, que podem sustentar práticas de enfermagem promotoras da paternidade envolvida e cuidadora, com ganhos para as crianças, mulheres e para os próprios homens. O conhecimento desenvolvido pode contribuir para a igualdade de género no espaço familiar e, consequentemente, na sociedade em geral, para o fortalecimento da teoria das transições de Meleis e para o desenvolvimento da articulação da enfermagem com o género, enquanto determinante social em saúde. Estes contributos serão certamente fortalecedores do conhecimento científico da disciplina de enfermagem.
Será submetido à Comissão de Ética da UICISA: E.Será garantido o anonimato de todos/as os/as participantes, a partir da codificação das entrevistas. As gravações áudio das entrevistas, e as respetivas transcrições, serão eliminadas no final do tempo previsto para a elaboração do relatório de investigação.Será reservado o direito à autodeterminação, sendo que cada um/a decidirá de forma informada e livre a sua participação através do preenchimento da folha de consentimento informado.
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01/01/2023
31/12/2024
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